Uma entrevista deliciosa com Luciana Benatti, autora do livro igualmente delicioso Parto com Amor.
Com competência e sensibilidade, a entrevistadora extraiu de Luciana algumas experiências vividas na produção do livro e na própria maternidade. Amor, prazer, respeito: ingredientes que sempre fazem bem!
Confira a entrevista reproduzida a seguir.
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Parto natural: “se você tem esse desejo, é um caminho possível”
Em entrevista, autora de “Parto com Amor” conta como escreveu e viveu as histórias retratadas no livro e comenta o que espera com a obra
A jornalista Luciana Benatti e o fotógrafo Marcelo Min esperavam o primeiro filho do casal quando, em meio às dúvidas de toda mulher grávida, o médico disse a seguinte frase: “Por que você está tão preocupada com o parto? Cuide das roupinhas, do enxoval e da decoração do quarto e deixe que do parto cuido eu”. Faltava menos de um mês para o nascimento do bebê. Mesmo assim, o casal não voltou mais àquele consultório. As perguntas que tanto incomodaram o médico foram direcionadas a outro profissional. Ele respondeu todas elas e ainda indicou livros e filmes para ajudar o casal a se preparar: Luciana queria um parto normal.
Apesar do nome, o parto normal não é o mais executado no país, mesmo com as recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a taxa de cesáreas não ultrapassar 15% dos nascimentos – o índice do Brasil beira os 50%, de acordo com a série Lancet Brasil, do jornal médico “Lancet”, um dos mais conceituados do mundo. Mas por que, exatamente, esse número é tão alto? As mulheres não querem mais partos normais e preferem um nascimento com dia e hora marcados?
Luciana não acredita nisso. Seu argumento veio no livro “Parto com Amor” (Panda Books), com histórias de nove mulheres – incluindo a dela própria – que conseguiram realizar o sonho do parto de acordo com suas expectativas e sem agressões verbais. “A mulher pode aguentar a dor do parto mesmo sem ser atleta ou ter um superpreparo físico. O que ela não aguenta é a humilhação”, comenta a autora, lembrando de uma frase revelada em pesquisa recente como comum nas mesas de parto: “na hora de fazer você não gritou, por que está gritando agora?”.
A jornalista falou ao Delas sobre o livro, a experiência de ser mãe, de traduzir histórias de vida e a vontade de que mais mulheres possam realizar seus sonhos.
iG: Como surgiu a ideia de traduzir a experiência do parto de outras mulheres?
Luciana Benatti: Logo depois do nascimento do meu primeiro filho, o Arthur, eu fiquei muito impressionada com a experiência. Como [o parto] pode ser prazeroso, transformador, gratificante, enfim, todos os adjetivos bons, e ninguém sabe disso? Por que as mulheres temem tanto esse momento se é uma coisa tão mágica, tão maravilhosa? Eu queria compartilhar isso com outras mulheres, queria contar essa descoberta para o mundo. Meu marido, o Marcelo, é fotojornalista e tinha feito algumas fotos do parto, para registro nosso mesmo, foto de família. Olhando essas fotos, achamos que eram muito bonitas. Mostramos para algumas pessoas e elas sempre se surpreendiam e diziam ‘nossa, mas eu não sabia que um parto podia ser assim tão bonito. Eu também queria um parto assim'. E aí a gente achou que valia a pena reunir experiências de outras mulheres e fazer um livro.
iG: O que você sentiu ao traduzir a experiência de outras mulheres?
Luciana Benatti: É uma emoção e uma honra. Estas famílias nos deram uma oportunidade única de vivenciar estas experiências junto com eles. Na verdade a gente também criou muitos vínculos com essas famílias, eu tenho muito contato com eles até hoje, nossos filhos têm mais ou menos a mesma idade, foram nascendo um seguido do outro. Foi uma generosidade muito grande eles abrirem esse momento para a gente e soubemos respeitar muito esse momento também, então criou-se o clima perfeito para o resultado que está no livro.
iG: Como foi o processo do livro? Quanto tempo durou?
Luciana Benatti: Este livro foi escrito a partir do nascimento do meu primeiro filho. Hoje ele está com três anos e meio. Eu tinha a sensação de que o livro ia sair no tempo certo. Como o parto, a gente tem que aprender a esperar. O livro também tinha o tempo para sair e foi um momento muito oportuno, porque tem muita coisa sendo discutida nesse momento, é um momento de muita efervescência. Tem o curso de obstetrícia da USP ameaçado de fechamento, teve a Janet Balaskas [ativista e autora do livro “Parto Ativo” (Editora Ground), traduzido em várias partes do mundo], para quem eu entreguei uma das primeiras cópias do livro. Tinha muita coisa acontecendo nesse momento. E tem o projeto do governo também, a Rede Cegonha, que prevê construção de casas de parto em vários locais do país. Eu acho que veio em boa hora.
iG: O que você espera com o livro?
Luciana Benatti: O que a gente mais espera com esse livro é que ele possa mudar, pelo menos um pouquinho, o cenário brasileiro no que diz respeito ao parto. Todo mundo sabe que os índices de cesárea no Brasil são altíssimos, entre os maiores do mundo. Muitas destas cesáreas não são necessárias do ponto de vista médico e muitas tampouco são a vontade da mulher. O parto pode ser, sim, uma experiência muito enriquecedora, muito transformadora na vida da mulher. E não só da mulher, da família também, porque nesse tipo de parto os pais e os maridos participam muito. Eu conto no livro a história do meu segundo parto. Na época meu primeiro filho estava com três anos e participou. Foi uma coisa muito marcante para ele ver o irmão nascer. Foi muito rica essa experiência para todos nós. E a gente quer proporcionar isso para outras mulheres. É lógico que a gente não quer servir de exemplo, dizer ‘façam isso, isso é o certo’. Só queremos mostrar que isso é possível, então, se você tem esse desejo, é um caminho possível. Existe essa possibilidade e é muito bacana.
iG: Qual a diferença no protagonismo da mulher durante um parto normal e uma cesárea?
Luciana Benatti: Tem uma diferença grande nessa questão do protagonismo. Quando você dá seu filho à luz, está fazendo o papel ativo. Você é, digamos, a ‘dona’ do parto. Você manda em tudo e o corpo da mulher trabalha junto com o bebê para que ele nasça. É um processo muito perfeito, muito bonito. Ao final de um parto como esse, a gente tem uma sensação muito boa de poder. ‘Olha, eu consegui, depois disso eu consigo cuidar do meu filho’. Não que a mulher que não passa por isso não consiga, mas a gente tem essa sensação de ‘eu posso tudo agora’. Tem uma mãe que tem uma história muito bonita, a gente conheceu muitas histórias nesse processo. Ela teve parto normal, de gêmeos, depois de uma cesárea. Ao terminar o parto, ela falou ‘eu posso tudo, eu posso subir o Everest a pé’. Ela se sentiu muito poderosa, e é mesmo. É muito prazeroso saber que o seu corpo trabalhou junto com seu filho e vocês dois, juntos, conseguiram fazer essa coisa linda e mágica que é o nascimento.
iG: Você sentiu dificuldade de traduzir em palavras as sensações e emoções do parto?
Luciana Benatti: É sempre difícil, porque é algo muito íntimo. A gente fica até com um pouco de medo: ‘será que eu revelo isso, como é que eu falo disso?’. As nove mulheres que estão no livro [incluindo a autora] abriram muito a intimidade. Quando eu vi, pela primeira vez, a minha foto na banheira, eu com um barrigão, dando um grito e apertando a mão da doula, eu falei ‘nossa, mas todo mundo vai me ver assim’. À primeira vista foi um choque, mas o tempo foi passando e aquela mulher já não era mais eu, já virou outra mulher. Eu consigo olhar aquela foto e enxergar todas aquelas mulheres que passaram pela minha vida nesses três anos e meio e me contaram suas histórias.
iG: Por que é importante expor estas histórias?
Luciana Benatti: A gente se expõe por uma boa causa: para que outras mulheres saibam. É muito importante que as mulheres saibam. Antigamente falava-se de mãe para filha sobre o parto, não era uma coisa tão velada, tão escondida, tão misteriosa como é hoje. Minha mãe tem uma história muito bacana: ela e um irmão dela nasceram no mesmo dia, mas com quatro anos de diferença, e minha mãe nasceu no andar de cima do sobrado enquanto, na parte de baixo, rolava a festinha de quatro anos do meu tio. Era uma coisa muito natural, fazia parte da vida da família e hoje em dia não tem mais isso. O nascimento acabou se tornando uma coisa muito fechada, dentro do hospital, ninguém tem acesso, ninguém sabe como é e esse desconhecimento gera muito medo. Não só na mulher, mas na família, em todo mundo. Todo mundo fica achando que é uma coisa muito perigosa essa coisa de nascer, e não é bem assim.
iG: E os riscos do parto em casa?
Luciana Benatti: Todas essas mulheres que estão no livro tiveram um acompanhamento pré-natal, foram a todas as consultas e exames. Tudo direitinho, como é o pré-natal de qualquer médico, e elas fazem o acompanhamento também na hora do parto. Quando a gente fala de parto em casa as pessoas pensam que é desassistido, sem nenhum profissional, mas essas mulheres todas tiveram o acompanhamento de médico ou de parteira, que são essas parteiras urbanas, enfermeiras obstetras ou obstetrizes. Não tem irresponsabilidade alguma. Todo mundo que faz parto em casa tem um plano B, uma alternativa já pensada. Se o parto não desenrolar bem, você tem a alternativa de ir para um hospital próximo. Tudo isso é pensado, é planejado.
iG: Muitas pessoas falam do parto normal de maneira romântica, mas seu livro é mais realista. Sua intenção é desmitificar o tema?
Luciana Benatti: Espero que sim. Eu não poupei, por exemplo, as fotos dos gritos. Minha mãe não gosta de ver essa foto em que eu estou gritando na banheira. Ela acha muito forte. Mas isso faz parte, eu não vou falar para ninguém “olha, não dói”. Eu estaria mentindo e isso, sim, seria um absurdo. Por que dói muito mesmo, é uma experiência muito intensa. Não é só a dor, é toda a novidade daquilo, sabe? É uma experiência que não tem igual, só vivendo para saber. Tem que ser sincera, não dá para romantizar demais. É lógico que a gente vai ter medo mesmo, vai sentir dor, vai gritar, vai querer desistir na hora do parto e muitas mulheres falam ‘quero desistir, não aguento mais’. É uma fase. Passada esta fase, dá aquela força e o bebê nasce. A dor faz parte do processo, mas não é o único sentimento envolvido. Não é só dor e medo, existem muitas outras coisas. E aí a experiência é o pacote completo. Tem mulher que prefere não encarar. Tudo bem, eu respeito, mas acho bacana saber que existe a possibilidade. Muitas mulheres ‘normais’, que não são atletas e não têm um preparo físico absurdo, conseguem. Isso está com a gente. É uma coisa que a maioria das mulheres, com um pouquinho de encorajamento, consegue.
iG: Você teve um preparo físico especial?
Luciana Benatti: Eu não sou nenhuma atleta, aliás, pelo contrário. Sou uma pessoa meio avessa a exercício, sabe? E eu consegui. Consegui porque me encorajaram. Encontrei pessoas que me apoiavam. Acho que esse é o segredo: você se informar e encontrar pessoas que estejam aptas a te apoiar e a te encorajar, em vez de falar assim “ah, desiste porque a dor é muito forte, você não vai aguentar, as mulheres hoje em dia não aguentam mais esse tipo de dor, a gente não está preparada para isso, a mulher moderna não aguenta, o corpo dela não aguenta”. É o que a gente ouve muito por aí. E não é isso. A gente está preparada, sim.
iG: Por que as mulheres temem tanto o parto normal?
Luciana Benatti: Muita gente fala ‘ai, mas minha mãe teve um parto normal horroroso no hospital, sofreu muito’. Mas quando você vai ver, descobre que esta mulher passou por muitos procedimentos hospitalares que tornaram o parto doloroso. Por exemplo, ela recebeu aquele hormônio, ocitocina, que acelera muito as contrações e causa muita dor. Aí empurraram a barriga dela, fizeram o corte no períneo, enfim, um monte de intervenções. Às vezes, esta mulher até sofre algum tipo de violência verbal, é comum falarem ‘ah, na hora de você fazer você não gritou, porque está gritando agora?’. É horrível, mas se ouve muito por aí nos hospitais. Nada disso é o parto, isso é o que a gente fez com o parto. O parto em si não tem nada disso, originalmente. Às vezes se confunde um pouco o que é a dor do parto e o que é a dor destes procedimentos, agressivos e muitas vezes desnecessários. É preciso separar uma coisa da outra. A dor fisiológica a gente encara. Mas esta dor da humilhação é mais difícil.
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