Cesarianas aumentam 11% no ABCDom, 07 de Outubro de 2012 09:03
Por: Aline Melo
OMS recomenda que apenas 15% dos nascimentos sejam por meio de cirurgia
Na UTI Neonatal, pequenos perdem contato imediato com a mãe
A proporção de nascimentos cirúrgicos realizados no ABC alcançou a taxa de 62,88% em 2010. Dos 36.156 bebês que nasceram vivos nos sistemas públicos e privados de saúde, 22.738 chegaram ao mundo por meio da cirurgia. O número destoa da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece como 15% um número aceitável de nascimentos
via cesárea, e representa aumento de 11% se comparados com a proporção de cirurgias realizadas em 2004, que totalizou 21.912 nascimentos de um total de 38.597 nascidos vivos.
O aumento na taxa de cesáreas é uma realidade em todo o país e o programa Rede Cegonha, lançado pelo Ministério da Saúde em 2011, visa, entre outros objetivos, aumentar a proporção de partos normais no país, garantindo melhor assistência a gestantes e bebês. “A alta no número de cesáreas tem dois motivos principais. Muitas mulheres têm medo da dor do parto normal e, para os médicos, principalmente os particulares, a cirurgia é mais cômoda”, afirmou o professor de Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC e diretor-técnico do Hospital da Mulher de Santo André, Mauro Sankovski.
O médico explica que por se sentirem sobrecarregados, e para melhor administrar suas agendas, obstetras que atendem planos de saúde veem na cirurgia a oportunidade de não perder as consultas agendadas. “Muitos também não se sentem seguros para acompanhar um trabalho de parto.”
Prematuridade tardia
Os dados da Fundação Seade também evidenciam que entre 2004 e 2010 aumentou em 580% o número de bebês que nasceram com mais de 37 semanas, porém, com baixo peso, menos de 2,5 quilos. Foram 33 casos em 2004 contra 225 em 2010. “Não acredito na relação entre uma coisa e outra. Sem dúvida, as cesarianas podem fazer com que os bebês nasçam antes do tempo, mas acredito que isso esteja mais ligado a outros fatores, como algumas patologias durante a gestação”, destacou o médico.
O obstetra e membro do Conselho Consultivo da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna) Ricardo Herbert Jones também afirma que os dados são poucos para estabelecer alguma relação, sendo necessária aplicação de outras metodologias. “No entanto, estudos da Fundação Oswaldo Cruz identificam aumento expressivo nas taxas de prematuridade tardia, bebês que nascem entre 36 e 37 semanas”, afirmou.
O médico destaca que os prejuízos são grandes para esses bebês. “São crianças que perdem o primeiro contato com a mãe, a amamentação na primeira hora. Terão mais predisposição a apresentarem problemas respiratórios, desmame precoce e problemas diversos na qualidade de vida, impossíveis de serem avaliados a curto prazo”, completou.
Bebês que nascem por cesárea têm mais chance de desenvolver problemas de saúde
Dados da Fundação Seade, coletados em 2004 e 2010, indicam que a proporção de cesáreas aumentou 11% no ABC e o número de bebês que nasceram com baixo peso, apesar de já terem completado 37 semanas de gestação também registrou alta de 581%. Especialistas consultados pelo Diário Regional afirmaram ser precipitado estabelecer relação entre os indicadores, mas destacaram que a cesárea eletiva (marcada com antecedência e sem a gestante entrar em trabalho de parto) está diretamente relacionada a bebês com maior propensão a desenvolver problemas de saúde, como desconfortos respiratórios.
O neonatalogista e pediatra Carlos Eduardo Correa destaca que o nascimento, quando ocorrido por via vaginal, é a transição da água (ambiente onde o feto permanece durante a gestação, a bolsa de águas) para o ar. “O pulmão tem de estar pronto para funcionar. Quando a mulher entra em trabalho de parto, é um indício claro de que o bebê está maduro, pronto para nascer.”
Correa cita como complicações decorrentes de cesáreas eletivas (marcadas com antecedência) problemas respiratórios, dificuldade em se estabelecer e manter o aleitamento materno, alergias e dificuldade de vínculo entre mãe e bebê.
A neonatalogista Sandra Gianelo, que já atuou no Hospital Mário Covas, em Santo André, alerta para o fato da unidade hospitalar, enquanto manteve em funcionamento a maternidade, ter recebido muitos casos de gravidez de risco e bebês com malformações, o que pode ter contribuído para o aumento nos dois índices. No entanto, o professor de Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC e diretor técnico do Hospital da Mulher de Santo André, Mauro Sankovski, reconhece que a cesárea não deveria ser marcada e, caso fosse necessária, para depois das 39 semanas de gestação. “Porém, passadas 38 semanas existe maior chance de trabalho de parto espontâneo”, concluiu.
Obstetras não têm formação adequada, afirmam especialistas
A alta na taxa de cesáreas, que em 2010 representaram 62,8% dos nascimentos de bebês vivos no ABC é, entre outros fatores, reflexo de formação incompleta dos novos obstetras, avaliam especialistas.
“Antigamente, a formação dos médicos obstetras era mais completa. Estavam aptos a enfrentar diferentes tipos de situação. Hoje, com três anos de residência, e com o movimento intenso nas maternidades, esses novos profissionais não têm tempo de aprender tudo o que era preciso para acompanhar partos normais”, afirmou o professor de Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC e diretor técnico do Hospital da Mulher de Santo André, Mauro Sankovski.
O obstetra e membro do Conselho Consultivo da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna) Ricardo Herbert Jones explica que as escolas de medicina, de forma implícita, têm formado apenas cirurgiões. “O médico é ensinado durante oito, nove, dez anos, a intervir. Pedir que ele apenas assista, ou intervenha o mínimo possível, como acompanhar um parto normal, para muitos é um contrasenso”, completou.
Sankovski destacou, ainda, que as diferentes situações que podem surgir durante um parto normal intimida muitos profissionais. “Fazer a cirurgia acaba sendo mais simples. Existem manobras e procedimentos necessários em alguns trabalhos de parto que exigem do médico anos de prática. Hoje, eles não têm mais isso”, finalizou.