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15 de fevereiro de 2015

A dureza da verdade

Estava em busca de uma imagem para ofertar a uma amiga que está de aniversário hoje. Para ela, feminista como eu, desejava encontrar algo que juntasse meus desejos de uma vida feliz
às nossas ideias libertárias sobre a vida das mulheres no mundo. E foi durante essa procura que encontrei a imagem que ilustra esta postagem, e que também a inspira.

"A verdade te libertará. Mas antes vai te deixar (muito, muito, muito) chateada"
Esta imagem veio daqui

Há alguma controvérsia sobre a autoria original desta frase, mas o fato é que ficou mais famosa por ter sido dita em palestras pela feminista americana Gloria Steinem, que em março completará 81 anos de idade. No momento em que bati o olho na figura, um filme passou na minha cabeça, e me lembrei das minhas próprias sensações de raiva e desencanto nas muitas descobertas de verdades insuspeitadas, mas especialmente daquelas relacionadas com minha vida de mulher em uma sociedade patriarcal. Dentre essas, aquelas verdades duras sobre o nascimento de crianças no Brasil, que a maioria das mulheres só descobre vivenciando-as da pior maneira possível.

Ao longo dos últimos nove anos de militância nesta área, conheci muitas mulheres que, como eu, ao se depararem com os fatos, não conseguiram evitar o sentimento de revolta. Para muitas, é tão impactante, que a negação é a saída imediata. Eu, pelo menos, fiquei assim por quase três anos, imersa em tudo que de bom a maternagem trazia, evitando problematizar ou mesmo me lembrar das circunstâncias do nascimento da minha filha. Se tivesse permanecido nesse estado, obviamente não estaria agora compartilhando estes pensamentos. Mas, em algum momento, por alguma razão desconhecida, passei para a raiva e depois para a libertação que a verdade traz.

Então, essa postagem é para lhe dizer que eu prefiro saber que médic@s e hospitais privados do ABC Paulista beiram a marca dos 100% de cesarianas. Que os poucos partos vaginais que ocorrem em hospitais privados são ainda mais violentos que os que acontecem no setor público. Que a única casa de parto do SUS, próxima da nossa região, tem tido dificuldades em se manter como um local com assistência atípica e adequada. Que as taxas de intervenções e cesarianas não têm caído nos hospitais públicos da região. Que a maioria das maternidades do ABC está entregue à gestão da mesma instituição de ensino, o que as torna maternidades-escola, fazendo com que as mulheres e os bebês se tornem mais expostos a intervenções desnecessárias, abusivas e dolorosas. Que as poucas iniciativas de gestões simpáticas a mudanças de paradigma andam como tartarugas, porque se quer fazer omeletes sem quebrar ovos.

Sim, eu prefiro a verdade. O que não quer dizer que goste dela. É que, exposta, inegável, a verdade nua e crua nos deixa com duas alternativas: ou a gente se conforma e aceita passivamente; ou a gente fica movida por uma indignação tal que quer virar de ponta-cabeça o sistema, quer seja só pra nós, quer seja para todas as irmãs. Dando de cara com a verdade em uma esquina, eu poderia correr no sentido oposto, por me julgar incapaz de lidar com ela ou enfrentá-la. Afinal, fui ensinada a ser assim desde pequenina. Interessante que, mesmo que ninguém tenha me "educado" para o parto, eu sabia direitinho que tinha que obedecer ao que me fosse prescrito. Da mesma forma que aprendi que eu não posso fazer xixi na rua mas os homens podem, que "homens são assim mesmo" (sei lá o que isso significa...), que preciso me vestir de forma "segura" etc.

Portanto, não é sem sofrimento que vem a parte da liberdade. Sentir-se livre para olhar na cara de enfermeir@s e médic@s e dizer "não, obrigada" a qualquer coisa que venham lhe impor requer trilhar um caminho árduo, pedregoso, imprevisível, solitário, acidentado e, muitas vezes, sem saída. Da mesma forma que não é nada fácil assentar-se a uma mesa cercada de pessoas poderosas de uma instituição hospitalar e soltar meia dúzia de palavras na contramão.  Sozinha, a sensação de ser inadequada e desobediente pode nos assaltar, e assim nos encarcera. Por isso a imagem acima me inspirou - além da frase, a ideia de luz. Quando a gente sabe o que nos espera, sai do caminho escuro. E o caminho não fica iluminado só pra nós, mas também pra quem segue junto ou perto. E é por isso que se, para você, é difícil demais encarar essas verdades, a gente te diz: você não está só!

PS: minha amiga ganhou uma imagem bem bonita, que pode ser vista aqui
 

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