29 de agosto de 2013
Programa Pra Você Ver - Parte 2
Na segunda parte do programa, o foco são as doulas e os centros de parto normal. Fala-se, especificamente, da Casa de Parto de Sapopemba - fiquei emocionada com a divulgação da CP.
23 de agosto de 2013
31/08 é dia de Encontro MaternaMente!
Na próxima semana, temos encontro presencial! Se você está grávida, pretende ficar, já esteve mas não consegue ficar longe deste mundo, aqui é seu lugar!!
Venha se encontrar com a gente para mais uma tarde de conversas e trocas de informações!
Nosso tema para o dia 31/08 é a presença d@ companheir@ na cena do parto. Muitas mulheres se deparam com dificuldades quando se vêem grávidas pois nossa cultura superestima os riscos do parto e subestima os riscos da cesárea. Assim, não é incomum haver discordância com familiares sobre as escolhas para esse momento, particularmente quando queremos ir na contramão dessa cultura.
Portanto, este encontro é sob medida para quem quer se fortalecer e também uma boa oportunidade para trazer seu/sua companheir@!
Vejo vocês lá!
Venha se encontrar com a gente para mais uma tarde de conversas e trocas de informações!
Nosso tema para o dia 31/08 é a presença d@ companheir@ na cena do parto. Muitas mulheres se deparam com dificuldades quando se vêem grávidas pois nossa cultura superestima os riscos do parto e subestima os riscos da cesárea. Assim, não é incomum haver discordância com familiares sobre as escolhas para esse momento, particularmente quando queremos ir na contramão dessa cultura.
Portanto, este encontro é sob medida para quem quer se fortalecer e também uma boa oportunidade para trazer seu/sua companheir@!
Vejo vocês lá!
22 de agosto de 2013
Programa Pra Você Ver - Parte 1
Nesse programa em três blocos, a TVT aborda a situação atual do nascimento do Brasil e mostra alguns caminhos que as mulheres têm trilhado para conquistar um parto seguro e respeitoso.
9 de agosto de 2013
Memória e Contexto - Parte 3:
No final de 2012, o Grupo MaternaMente foi convidado a falar sobre gestação e parto no programa Memória e Contexto, da TVT. O Memória e Contexto tem por objetivo ativar o pensamento e a ação crítica por meio de conteúdos apresentados com o apoio do acervo da TVT e através dos testemunhos de quem viu ou viveu os fatos. No estúdio, convidados e apresentadora refletem sobre a conjuntura atual em um bate-papo informal mesclado com música. No programa que foi ao ar em 12 de dezembro de 2012, com uma hora de duração, a repórter Maria Amélia Rocha Lopes nos recebeu junto à pedagoga Fátima Gonçalves Benevides, integrante do Projeto Menina Mãe da Associação Paulista de Medicina, subsede Santos. A discussão sobre humanização da assistência foi intercalada com deliciosas intervenções musicais ao vivo do artista João Macacão. Recentemente os links para o programa foram disponibilizados online pelo canal, o que nos motiva hoje a refletir sobre os temas novamente. Convidamos você a pensar junto com a gente sobre os nós-críticos que ainda precisamos desatar para termos assistência digna, respeitosa e segura para mulheres nesta etapa de suas vidas.
O que mais me chama a atenção nesse bloco do programa são as imagens do parto hospitalar. Nelas é possível perceber várias intervenções sendo executadas sobre os corpos das mulheres. A gente poderia brincar de um "jogo dos 7 erros"... Pause o filme nas imagens de mulheres parindo e anote tudo que conseguir identificar como procedimento desnecessário, inseguro, doloroso e/ou não baseado em evidência. Eu já contei bem mais que sete...
É comum, entre nós, as mulheres pensarem que tais procedimentos ou condutas são tecnologia agregada para o bem da dupla mãe-bebê, pois são executadas por profissionais de saúde de alta qualificação e dentro de espaços destinados a cuidar das pessoas. Visto que parece ser impossível dissociar parto e esse pacote de intervenções, é também comum que as mulheres que já passaram por uma experiência ruim de parto ou ouviram o relato de alguém, passem a desejar para si a possibilidade de excluir esse sofrimento no nascimento de seus filhos.
Esse é o contexto ideal para a propagação da ideia da cesárea eletiva como alternativa "respeitosa" e indolor. Não fossem as intervenções danosas criadas pela própria assistência, seria bem mais difícil convencer mulheres a terem seus corpos abertos por uma cirurgia altamente invasiva e de grande porte para trazer seus bebês ao mundo. Esse é portanto um cenário duplamente perverso, pois impõe sofrimento para vender conveniências.
Ainda assim, é uma falácia afirmar que as mulheres desejam as cesáreas que por isso abundam no setor privado. Durante a conversa, quis mencionar dois estudos brasileiros que mostram claramente que a maioria das mulheres, no início da gestação, deseja parir. Entretanto, ao final, muitas mudam de ideia e desejam cesáreas. O que lhes acontece durante o trajeto do pré-natal que propicia essa mudança no desejo? Acho que você já sabe a resposta.
Caso queira aprofundar a leitura no tema, recomendo ler os estudos sobre os quais não houve tempo pra falar durante o programa. Nos links abaixo, você os encontra. Boa leitura e boa reflexão!
www.scielosp.org/pdf/csc/v13n5/17 - Estudo executado em hospitais privados da cidade do Rio de Janeiro
www.scielo.br/pdf/rsp/v38n4/21076.pdf - Estudo executado em hospitais públicos dos estados de São Paulo e Pernambuco
O que mais me chama a atenção nesse bloco do programa são as imagens do parto hospitalar. Nelas é possível perceber várias intervenções sendo executadas sobre os corpos das mulheres. A gente poderia brincar de um "jogo dos 7 erros"... Pause o filme nas imagens de mulheres parindo e anote tudo que conseguir identificar como procedimento desnecessário, inseguro, doloroso e/ou não baseado em evidência. Eu já contei bem mais que sete...
É comum, entre nós, as mulheres pensarem que tais procedimentos ou condutas são tecnologia agregada para o bem da dupla mãe-bebê, pois são executadas por profissionais de saúde de alta qualificação e dentro de espaços destinados a cuidar das pessoas. Visto que parece ser impossível dissociar parto e esse pacote de intervenções, é também comum que as mulheres que já passaram por uma experiência ruim de parto ou ouviram o relato de alguém, passem a desejar para si a possibilidade de excluir esse sofrimento no nascimento de seus filhos.
Esse é o contexto ideal para a propagação da ideia da cesárea eletiva como alternativa "respeitosa" e indolor. Não fossem as intervenções danosas criadas pela própria assistência, seria bem mais difícil convencer mulheres a terem seus corpos abertos por uma cirurgia altamente invasiva e de grande porte para trazer seus bebês ao mundo. Esse é portanto um cenário duplamente perverso, pois impõe sofrimento para vender conveniências.
Ainda assim, é uma falácia afirmar que as mulheres desejam as cesáreas que por isso abundam no setor privado. Durante a conversa, quis mencionar dois estudos brasileiros que mostram claramente que a maioria das mulheres, no início da gestação, deseja parir. Entretanto, ao final, muitas mudam de ideia e desejam cesáreas. O que lhes acontece durante o trajeto do pré-natal que propicia essa mudança no desejo? Acho que você já sabe a resposta.
Caso queira aprofundar a leitura no tema, recomendo ler os estudos sobre os quais não houve tempo pra falar durante o programa. Nos links abaixo, você os encontra. Boa leitura e boa reflexão!
www.scielosp.org/pdf/csc/v13n5/17 - Estudo executado em hospitais privados da cidade do Rio de Janeiro
www.scielo.br/pdf/rsp/v38n4/21076.pdf - Estudo executado em hospitais públicos dos estados de São Paulo e Pernambuco
7 de agosto de 2013
Há uma década...
Para Sophia, em seu décimo aniversário.
Você já me ouviu contar, sei lá quantas vezes. Sem nunca pedir sua permissão, as palavras que contam como você chegou saem da minha boca com certa facilidade. Venho assim relatando como tudo aconteceu em situações as mais diversas. Até em evento científico já contei. Mas não, nunca consegui escrever. Será que hoje dou conta?
Não dá para começar sem dizer que eu tinha um pouco menos idade que você quando pedi à minha mãe - enfermeira de maternidade em hospital militar na época, coração temporal da ditadura - que me levasse para assistir a um parto. Ela não era de me fazer vontades se fosse para comprar alguma coisa - mas movia o mundo para me conceder espaço para crescer. Foi até o chefe e pediu: minha filha quer ver um parto. Ele, oficial-médico do exército, pragmático, perguntou minha idade, sorriu e respondeu: peça a ela que volte a me pedir isso daqui a nove anos. Passei um tempo ainda querendo e depois... esqueci. Foi bom não ter visto partos cheios de intervenção, a todo custo? Foi ruim não ter cumprido o desejo? Nunca vou saber.
Passei a vida adulta oscilando entre desejar ter cinco filhos e nenhum. Mas um dia a vontade veio com força. Foram onze meses de tentativas, até que você apareceu. Eu estava para completar 40 anos e senti umas borboletas na barriga. Esperei mais uns dias e fiz o exame de sangue: pimba! Fiquei feliz, comemorei com seu pai e com os amigos, com quem tínhamos feito a famigerada aposta das fraldas. Ganhamos! ÊÊÊÊÊ!
Algumas semanas depois, um leve sangramento "velho", um exame de ultrassom e um diagnóstico temido: aborto em curso (papo para outra história...). Que não era, né? Muita apreensão, medo, solidão no repouso absoluto. Quando a gente tira 30 dias de férias, o tempo voa. Mas 30 dias de repouso em "ameaça de aborto" parecem não ter fim.
Dali pra frente eu e você vivemos um passeio! Náuseas e dois episódios mais sérios de vômito à parte, a vida de grávida estava ótima. Eu, sempre muito disposta, nada de cansaço, via minha barriga crescer cheia de energia. Soube que você era você na segunda USG morfológica, com cerca de 22 semanas. A bem da verdade, não sabia minha DUM, e a idade gestacional era datada pela primeira USG, com cerca de 8 semanas.
Li muita coisa na internet, mas não cheguei a descobrir grupos de apoio. Encontrei o site www.amigasdoparto.com.br mas não cheguei a entender que aquilo me dizia respeito. Via relatos e fotos, mas imaginava que não precisava aprender nada sobre aquilo, pois É CLARO que eu seria respeitada em minhas escolhas. Por outro lado, virei "mestra" em aleitamento, sabia tudo sobre pega, aleitamento materno exclusivo, ordenha, estocagem, relactação.
Os meses passaram lisos, até que um dia, por volta da 37.ª semana, senti que a dinâmica estava mudando. Chamei a obstetra, que era uma colega de trabalho, e ela ficou comigo por meia hora, acompanhando a dinâmica das contrações. Parecia preocupada... Tínhamos consulta de pré-natal naquele mesmo dia, no final da tarde. No consultório, o exame de toque revelou colo ainda grosso, mas com cerca de 3,5 cm de dilatação e a amnioscopia mostrou cabelos pretos e líquido com grumos. Você tinha cabelos, e eram escuros!!! E eu estava querendo muito te conhecer! No entanto, a obstetra ponderou que era cedo, que você poderia engordar mais e me prescreveu um inibidor de contrações e ... mais repouso.
Na semana seguinte, ela ficou muito surpresa de ver a dilatação do colo completamente regredida a zero. Até hoje me pergunto se era isso mesmo e porquê. Voltei para casa chateada por ter tomado o tal remédio e resolvi parar por conta própria. Não demorou muito, as contrações voltaram e, no dia 6 de agosto de 2003 passei o dia todo com elas, enquanto trabalhava em um projeto frila para um hospital da região, com a equipe deles se reunindo comigo em casa.
Na noite daquele dia 6, que você já sabe ser a véspera dos seu nascimento, fui encontrar minha obstetra para fazer um exame - cardiotocografia - no hospital onde ela estava de plantão.Não tínhamos combinado de você nascer lá, embora o plano fosse um outro hospital também público, mas eu não sabia de fatos que levariam à minha internação naquela noite. Ela tinha medo de me dizer que tinha um compromisso no fim de semana seguinte fora da metrópole, e resolveu aproveitar aquele plantão para "fazer" meu parto. Eu tinha ido para lá sem nada de meu, e duas amigas foram me acompanhando. Ao exame, as contrações que eu vinha sentindo durante todo o dia apareceram e os médicos - uns três, acho - decidiram que eu estava em trabalho de parto. Eu dizia que não, que você ainda ia demorar mais uns dias para nascer (não me pergunte porque, mas eu sabia, rsss...). Subi na maca para ser examinada e, sem ser avisada, tive as membranas descoladas e o tampão removido. Aquilo doeu muito e me senti abusada, violentada. Aquele procedimento me desgovernou e me calou. Saí dali em cadeira de rodas, já com soro de ocitocina ligado na veia, com aquela camisolinha de chita florida amarela. Minhas amigas mal tiveram tempo de se despedirem de mim, e lá fui eu para uma sala de observação lotada.
A obstetra me colocou na última maca, perto da janela, e um biombo me separava das outras. Acho que tinha umas doze no total daquele lado do corredor, e do outro, lá longe, devia ter mais ou menos a mesma quantidade. Um mundo de mulheres, só eu em trabalho de parto. Perdi a conta de quantas vezes vieram me tocar, a memória daquela madrugada é difusa, mas me lembro de algumas pérolas. Certa vez, alguém veio fazer o toque apenas alguns minutos depois de outro alguém - como eu disse que não, fui sutilmente ameaçada com "você precisa cooperar". Eu ainda estava bem "eu mesma" e mandei falar com a Dr.ª X. Ela era preceptora de alunos. Eu não tinha a menor noção, então, de como as coisas ficam violentas para mulheres que parem em hospitais-escola. Em outro momento, uma moça - provavelmente residente ou interna - disse para outra que o trabalho de parto tinha "miado". Em outra ocasião, as duas conversavam sobre como a vagina nunca mais era a mesma depois de um parto normal. Falavam essas coisas como se eu não estivesse ali. Toques sucessivos, frio vindo da fresta da janela, ocitocina com dose aumentada - muitos eram os desconfortos. Ao amanhecer, o inferno havia se aberto. As contrações ficaram muito próximas e duravam muito tempo. Eu sentia como se uma serra em formato de pêndulo passasse lentamente sobre minha cintura e me abrisse ao meio, mal me dando tempo de respirar entre idas e vindas. Ah, havia doulas. Sem nenhuma autonomia de trabalho, sem instrumentos, apenas seguravam minha mão e me olhavam com compaixão. Que dureza...
Nesse momento, a obstetra voltou. Como não havia progresso desde o início da noite - estacionado em 4 cm desde minha admissão às 22:00 h da noite anterior, ela resolveu utilizar comprimidos de misoprostol no canal. Se as coisas já estavam bem difíceis, ficaram piores. Das 7:00 h às 9:30 h, cada contração me fazia pensar que morreria. O plantão dela havia acabado e ela estava assentada ao meu lado, volta e meia me dizendo que eu era a única ali com escolha, que não precisava passar por aquilo, que era só dizer que ela resolvia tudo rapidinho para mim. Me lembro de repetir, com voz de bêbada, que aguentava mais uma. Várias contrações coladas uma na outra e um exame de toque depois, ela resolveu me colocar novamente na cardiotoco. "Hmmm... o nenê tá bradi". Essas foram as palavras mágicas. Acabou a luta - será mesmo que lutei contra alguma coisa? Num instante a maca estava sendo conduzida para o centro obstétrico e eu sendo preparada para a cirurgia.
Detalhes que ficaram na memória: o anestesista, competente, delicado e lindo - eu não estava morta, hehehe! - me cumprimentou, anunciou o procedimento, esperou passar mais uma contração, explicou cada movimento que fazia e acertou na primeira, antes de vir mais uma contração (os intervalos estavam durando menos de 50 segundos, pelo que diziam). Ah, sim: antes da anestesia, assim que cheguei na famigerada sala, vomitei no chão... e disparei a chorar. O bonitão me perguntou se estava com medo e eu: "nãããão, eu tô triiiiiste!". Demoraram a trazer campos e outros apetrechos. Por conta disso, minha camisolinha de chita florida foi suspensa na minha frente e presa no suporte - um campo floridinho... A essa altura já estava com os punhos contidos por faixas de couro e minha preocupação era que já estivessem querendo me cortar enquanto eu ainda sentia as coisas. Falei disso e o cirurgião auxiliar me pediu para levantar a perna - obviamente não consegui. Alguém perguntou como seria seu nome e quando eu disse começou a cantar "Sô fio da véia ô...". Engraçadinho. Daí pra frente tudo foi rápido. Ouvi seu primeiro "ruá!" e só então pareceu uma eternidade até que trouxessem você até o meu rosto.
Você chegou chorando com ritmo. Quando te colocaram perto do meu rosto, você parou. Nossos olhos se cruzaram por alguns segundos, seu cheiro doce impregnou minhas narinas para sempre: é o mesmo perfume que fica na raiz dos seus cabelos quando sai o cheiro do xampu. Mas te levaram, sem a menor chance de nos tocarmos. No segundo que te afastaram de mim, você retomou o choro ritmado e firme.
O que aconteceu depois merece outro relato. Ficaríamos afastadas ainda por 12 longas horas. Não tivemos nenhum registro do nascimento, nem da internação ou da primeira mamada. Tudo que resta é uma foto sua no berçário, tirada por papai. Muitas coisas aconteceram naqueles dias no hospital, que também precisam ser contadas... Prometo que ainda escrevo sobre isso um dia, ok?
Você e eu, desde então... |
Você já me ouviu contar, sei lá quantas vezes. Sem nunca pedir sua permissão, as palavras que contam como você chegou saem da minha boca com certa facilidade. Venho assim relatando como tudo aconteceu em situações as mais diversas. Até em evento científico já contei. Mas não, nunca consegui escrever. Será que hoje dou conta?
Não dá para começar sem dizer que eu tinha um pouco menos idade que você quando pedi à minha mãe - enfermeira de maternidade em hospital militar na época, coração temporal da ditadura - que me levasse para assistir a um parto. Ela não era de me fazer vontades se fosse para comprar alguma coisa - mas movia o mundo para me conceder espaço para crescer. Foi até o chefe e pediu: minha filha quer ver um parto. Ele, oficial-médico do exército, pragmático, perguntou minha idade, sorriu e respondeu: peça a ela que volte a me pedir isso daqui a nove anos. Passei um tempo ainda querendo e depois... esqueci. Foi bom não ter visto partos cheios de intervenção, a todo custo? Foi ruim não ter cumprido o desejo? Nunca vou saber.
Passei a vida adulta oscilando entre desejar ter cinco filhos e nenhum. Mas um dia a vontade veio com força. Foram onze meses de tentativas, até que você apareceu. Eu estava para completar 40 anos e senti umas borboletas na barriga. Esperei mais uns dias e fiz o exame de sangue: pimba! Fiquei feliz, comemorei com seu pai e com os amigos, com quem tínhamos feito a famigerada aposta das fraldas. Ganhamos! ÊÊÊÊÊ!
Algumas semanas depois, um leve sangramento "velho", um exame de ultrassom e um diagnóstico temido: aborto em curso (papo para outra história...). Que não era, né? Muita apreensão, medo, solidão no repouso absoluto. Quando a gente tira 30 dias de férias, o tempo voa. Mas 30 dias de repouso em "ameaça de aborto" parecem não ter fim.
Dali pra frente eu e você vivemos um passeio! Náuseas e dois episódios mais sérios de vômito à parte, a vida de grávida estava ótima. Eu, sempre muito disposta, nada de cansaço, via minha barriga crescer cheia de energia. Soube que você era você na segunda USG morfológica, com cerca de 22 semanas. A bem da verdade, não sabia minha DUM, e a idade gestacional era datada pela primeira USG, com cerca de 8 semanas.
Li muita coisa na internet, mas não cheguei a descobrir grupos de apoio. Encontrei o site www.amigasdoparto.com.br mas não cheguei a entender que aquilo me dizia respeito. Via relatos e fotos, mas imaginava que não precisava aprender nada sobre aquilo, pois É CLARO que eu seria respeitada em minhas escolhas. Por outro lado, virei "mestra" em aleitamento, sabia tudo sobre pega, aleitamento materno exclusivo, ordenha, estocagem, relactação.
Os meses passaram lisos, até que um dia, por volta da 37.ª semana, senti que a dinâmica estava mudando. Chamei a obstetra, que era uma colega de trabalho, e ela ficou comigo por meia hora, acompanhando a dinâmica das contrações. Parecia preocupada... Tínhamos consulta de pré-natal naquele mesmo dia, no final da tarde. No consultório, o exame de toque revelou colo ainda grosso, mas com cerca de 3,5 cm de dilatação e a amnioscopia mostrou cabelos pretos e líquido com grumos. Você tinha cabelos, e eram escuros!!! E eu estava querendo muito te conhecer! No entanto, a obstetra ponderou que era cedo, que você poderia engordar mais e me prescreveu um inibidor de contrações e ... mais repouso.
Na semana seguinte, ela ficou muito surpresa de ver a dilatação do colo completamente regredida a zero. Até hoje me pergunto se era isso mesmo e porquê. Voltei para casa chateada por ter tomado o tal remédio e resolvi parar por conta própria. Não demorou muito, as contrações voltaram e, no dia 6 de agosto de 2003 passei o dia todo com elas, enquanto trabalhava em um projeto frila para um hospital da região, com a equipe deles se reunindo comigo em casa.
Na noite daquele dia 6, que você já sabe ser a véspera dos seu nascimento, fui encontrar minha obstetra para fazer um exame - cardiotocografia - no hospital onde ela estava de plantão.Não tínhamos combinado de você nascer lá, embora o plano fosse um outro hospital também público, mas eu não sabia de fatos que levariam à minha internação naquela noite. Ela tinha medo de me dizer que tinha um compromisso no fim de semana seguinte fora da metrópole, e resolveu aproveitar aquele plantão para "fazer" meu parto. Eu tinha ido para lá sem nada de meu, e duas amigas foram me acompanhando. Ao exame, as contrações que eu vinha sentindo durante todo o dia apareceram e os médicos - uns três, acho - decidiram que eu estava em trabalho de parto. Eu dizia que não, que você ainda ia demorar mais uns dias para nascer (não me pergunte porque, mas eu sabia, rsss...). Subi na maca para ser examinada e, sem ser avisada, tive as membranas descoladas e o tampão removido. Aquilo doeu muito e me senti abusada, violentada. Aquele procedimento me desgovernou e me calou. Saí dali em cadeira de rodas, já com soro de ocitocina ligado na veia, com aquela camisolinha de chita florida amarela. Minhas amigas mal tiveram tempo de se despedirem de mim, e lá fui eu para uma sala de observação lotada.
A obstetra me colocou na última maca, perto da janela, e um biombo me separava das outras. Acho que tinha umas doze no total daquele lado do corredor, e do outro, lá longe, devia ter mais ou menos a mesma quantidade. Um mundo de mulheres, só eu em trabalho de parto. Perdi a conta de quantas vezes vieram me tocar, a memória daquela madrugada é difusa, mas me lembro de algumas pérolas. Certa vez, alguém veio fazer o toque apenas alguns minutos depois de outro alguém - como eu disse que não, fui sutilmente ameaçada com "você precisa cooperar". Eu ainda estava bem "eu mesma" e mandei falar com a Dr.ª X. Ela era preceptora de alunos. Eu não tinha a menor noção, então, de como as coisas ficam violentas para mulheres que parem em hospitais-escola. Em outro momento, uma moça - provavelmente residente ou interna - disse para outra que o trabalho de parto tinha "miado". Em outra ocasião, as duas conversavam sobre como a vagina nunca mais era a mesma depois de um parto normal. Falavam essas coisas como se eu não estivesse ali. Toques sucessivos, frio vindo da fresta da janela, ocitocina com dose aumentada - muitos eram os desconfortos. Ao amanhecer, o inferno havia se aberto. As contrações ficaram muito próximas e duravam muito tempo. Eu sentia como se uma serra em formato de pêndulo passasse lentamente sobre minha cintura e me abrisse ao meio, mal me dando tempo de respirar entre idas e vindas. Ah, havia doulas. Sem nenhuma autonomia de trabalho, sem instrumentos, apenas seguravam minha mão e me olhavam com compaixão. Que dureza...
Nesse momento, a obstetra voltou. Como não havia progresso desde o início da noite - estacionado em 4 cm desde minha admissão às 22:00 h da noite anterior, ela resolveu utilizar comprimidos de misoprostol no canal. Se as coisas já estavam bem difíceis, ficaram piores. Das 7:00 h às 9:30 h, cada contração me fazia pensar que morreria. O plantão dela havia acabado e ela estava assentada ao meu lado, volta e meia me dizendo que eu era a única ali com escolha, que não precisava passar por aquilo, que era só dizer que ela resolvia tudo rapidinho para mim. Me lembro de repetir, com voz de bêbada, que aguentava mais uma. Várias contrações coladas uma na outra e um exame de toque depois, ela resolveu me colocar novamente na cardiotoco. "Hmmm... o nenê tá bradi". Essas foram as palavras mágicas. Acabou a luta - será mesmo que lutei contra alguma coisa? Num instante a maca estava sendo conduzida para o centro obstétrico e eu sendo preparada para a cirurgia.
Detalhes que ficaram na memória: o anestesista, competente, delicado e lindo - eu não estava morta, hehehe! - me cumprimentou, anunciou o procedimento, esperou passar mais uma contração, explicou cada movimento que fazia e acertou na primeira, antes de vir mais uma contração (os intervalos estavam durando menos de 50 segundos, pelo que diziam). Ah, sim: antes da anestesia, assim que cheguei na famigerada sala, vomitei no chão... e disparei a chorar. O bonitão me perguntou se estava com medo e eu: "nãããão, eu tô triiiiiste!". Demoraram a trazer campos e outros apetrechos. Por conta disso, minha camisolinha de chita florida foi suspensa na minha frente e presa no suporte - um campo floridinho... A essa altura já estava com os punhos contidos por faixas de couro e minha preocupação era que já estivessem querendo me cortar enquanto eu ainda sentia as coisas. Falei disso e o cirurgião auxiliar me pediu para levantar a perna - obviamente não consegui. Alguém perguntou como seria seu nome e quando eu disse começou a cantar "Sô fio da véia ô...". Engraçadinho. Daí pra frente tudo foi rápido. Ouvi seu primeiro "ruá!" e só então pareceu uma eternidade até que trouxessem você até o meu rosto.
Você chegou chorando com ritmo. Quando te colocaram perto do meu rosto, você parou. Nossos olhos se cruzaram por alguns segundos, seu cheiro doce impregnou minhas narinas para sempre: é o mesmo perfume que fica na raiz dos seus cabelos quando sai o cheiro do xampu. Mas te levaram, sem a menor chance de nos tocarmos. No segundo que te afastaram de mim, você retomou o choro ritmado e firme.
Não somos nós, mas foi bem assim Imagem aqui |
O que aconteceu depois merece outro relato. Ficaríamos afastadas ainda por 12 longas horas. Não tivemos nenhum registro do nascimento, nem da internação ou da primeira mamada. Tudo que resta é uma foto sua no berçário, tirada por papai. Muitas coisas aconteceram naqueles dias no hospital, que também precisam ser contadas... Prometo que ainda escrevo sobre isso um dia, ok?
1 de agosto de 2013
Memória e Contexto - Parte 2:
No final de 2012, o Grupo MaternaMente foi convidado a falar sobre gestação e parto no programa Memória e Contexto, da TVT. O Memória e Contexto tem por objetivo ativar o pensamento e a ação crítica por meio de conteúdos apresentados com o apoio do acervo da TVT e através dos testemunhos de quem viu ou viveu os fatos. No estúdio, convidados e apresentadora refletem sobre a conjuntura atual em um bate-papo informal mesclado com música. No programa que foi ao ar em 12 de dezembro de 2012, com uma hora de duração, a repórter Maria Amélia Rocha Lopes nos recebeu junto à pedagoga Fátima Gonçalves Benevides, integrante do Projeto Menina Mãe da Associação Paulista de Medicina, subsede Santos. A discussão sobre humanização da assistência foi intercalada com deliciosas intervenções musicais ao vivo do artista João Macacão. Recentemente os links para o programa foram disponibilizados online pelo canal, o que nos motiva hoje a refletir sobre os temas novamente. Convidamos você a pensar junto com a gente sobre os nós-críticos que ainda precisamos desatar para termos assistência digna, respeitosa e segura para mulheres nesta etapa de suas vidas.
Neste bloco do programa, dois assuntos ficaram no foco: a Depressão Pós-Parto e a Humanização da Assistência.
Você se sentiu triste, incapaz, incompetente, logo que seu bebê nasceu? Sentia-se mal ao lembrar de como tinha sido tratada pelas equipes de atendimento durante o processo de gestação e nascimento? Conseguiu falar disso com as pessoas ao seu redor? Se venceu essa barreira e contou do seu mal-estar, sentiu-se acolhida?
A maioria das mulheres sente algum tipo de desconforto emocional quando nascem os filhos. Os desafios percebidos, o novo, a privação do sono, os receios ligados às responsabilidades que se apresentam, as dificuldades no relacionamento com @ parceir@, a assistência desrespeitosa e violenta no parto, a desconsideração de suas capacidades, e mais uma lista que você pode continuar escrevendo: tudo isso e muito mais pode desencadear um sentimento profundo de inadequação que, se não for acolhido com afeto, apoio, suporte e empatia pode levar a mulher a um estado depressivo. Estamos muito acostumadas a pensar em nós mesmas como causa e consequência dos problemas que nos acometem, mas precisamos romper com esse raciocínio: esse é um caso claro de responsabilidade coletiva! De sua parte, ponha a boca no trombone e fale do que te incomoda para quem estiver mais perto. Se encontrar um grupo de apoio para o pós-parto, tanto melhor. Conselho para todas as outras pessoas: olhem para a mulher - ela não é um recipiente de carregar bebê! Visitas, ao invés de presentes, levem sua mão-de-obra: passem um pano no chão, levem comida, lavem a louça empilhada na pia, pendurem a roupa no varal, levem o menor para passear na praça. Homens-pais, particularmente: usem este momento para rever tudo o que pensavam antes a respeito de tarefas domésticas e ponham a mão na massa - a casa é responsabilidade de quem nela mora. Pequenos atos que podem mudar o dia de cinza para azul e auxiliar uma mulher a se sentir capaz de dar conta da maternidade.
Quanto à humanização... sinto que temos um caminho longo, tortuoso e acidentado para trilhar. Se fosse fácil, não seria necessário militar por isso, certo? É justamente por estarmos imersas em uma cultura que parte do conceito do corpo feminino como imperfeito e perigoso, portanto objeto de correção necessariamente, que parece às vezes que clamamos no deserto. Assistência baseada em rótulos: adolescente, primípara idosa, com problemas de fertilidade. Todos adjetivos para apontar "defeitos" femininos que justificam uma série de intervenções sem qualquer base científica. Vamos combinar um mantra? "Assistirás com respeito aos direitos humanos e com base em evidências científicas". Simples, não?
Neste bloco do programa, dois assuntos ficaram no foco: a Depressão Pós-Parto e a Humanização da Assistência.
Você se sentiu triste, incapaz, incompetente, logo que seu bebê nasceu? Sentia-se mal ao lembrar de como tinha sido tratada pelas equipes de atendimento durante o processo de gestação e nascimento? Conseguiu falar disso com as pessoas ao seu redor? Se venceu essa barreira e contou do seu mal-estar, sentiu-se acolhida?
A maioria das mulheres sente algum tipo de desconforto emocional quando nascem os filhos. Os desafios percebidos, o novo, a privação do sono, os receios ligados às responsabilidades que se apresentam, as dificuldades no relacionamento com @ parceir@, a assistência desrespeitosa e violenta no parto, a desconsideração de suas capacidades, e mais uma lista que você pode continuar escrevendo: tudo isso e muito mais pode desencadear um sentimento profundo de inadequação que, se não for acolhido com afeto, apoio, suporte e empatia pode levar a mulher a um estado depressivo. Estamos muito acostumadas a pensar em nós mesmas como causa e consequência dos problemas que nos acometem, mas precisamos romper com esse raciocínio: esse é um caso claro de responsabilidade coletiva! De sua parte, ponha a boca no trombone e fale do que te incomoda para quem estiver mais perto. Se encontrar um grupo de apoio para o pós-parto, tanto melhor. Conselho para todas as outras pessoas: olhem para a mulher - ela não é um recipiente de carregar bebê! Visitas, ao invés de presentes, levem sua mão-de-obra: passem um pano no chão, levem comida, lavem a louça empilhada na pia, pendurem a roupa no varal, levem o menor para passear na praça. Homens-pais, particularmente: usem este momento para rever tudo o que pensavam antes a respeito de tarefas domésticas e ponham a mão na massa - a casa é responsabilidade de quem nela mora. Pequenos atos que podem mudar o dia de cinza para azul e auxiliar uma mulher a se sentir capaz de dar conta da maternidade.
Quanto à humanização... sinto que temos um caminho longo, tortuoso e acidentado para trilhar. Se fosse fácil, não seria necessário militar por isso, certo? É justamente por estarmos imersas em uma cultura que parte do conceito do corpo feminino como imperfeito e perigoso, portanto objeto de correção necessariamente, que parece às vezes que clamamos no deserto. Assistência baseada em rótulos: adolescente, primípara idosa, com problemas de fertilidade. Todos adjetivos para apontar "defeitos" femininos que justificam uma série de intervenções sem qualquer base científica. Vamos combinar um mantra? "Assistirás com respeito aos direitos humanos e com base em evidências científicas". Simples, não?
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