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10 de março de 2010

Relato de parto do Murilo - por Denise

Estou cansada, muito cansada. Mas agora carrego dentro do peito algo tão gigantesco que supera qualquer outro sentimento. Isso porque sou mãe há nove dias.

Lucio, meu marido, nunca escondeu sua enorme vontade de ser pai. Mesmo quando ainda namorávamos, ele comemorava cada vez que a menstruação atrasava e decepcionava-se quando eu, aliviada, dizia que “tinha descido”. Até que, no ano passado, em mais um desses episódios, eu senti um frio na barriga ao pensar “será?”. E vi-me em lágrimas ao perceber o fluxo menstrual algumas semanas mais tarde. O “susto” fez com que eu acordasse: eu descobri que queria ser mãe.

Pouco tempo depois engravidamos. Juntos, eu e o Lucio curtimos cada momento da gestação. Cuidamos da alimentação, acordamos cedo todos os sábados para praticar yoga e decidimos, já no último trimestre, procurar uma assistência mais profissional e humana, mesmo que isso significasse economizar em mimos para o bebê. Foi a melhor escolha que poderíamos ter feito.

Com o apoio da Dra. Andréa, da doula Ana Cris e da lista de discussão virtual Materna SP chegamos até a 40ª semana de gestação. Lucio, não dispondo do privilégio da licença antecipada, teve de ouvir muitos diagnósticos, conselhos e questionamentos, o que fez crescer sua ansiedade. Veio o feriado de 7 de setembro, nossa médica foi viajar, prometendo que viria o mais rápido possível caso o nenê decidisse nascer. Nós ficamos na expectativa, eu me senti bastante insegura nesses dias. Quando completamos 41 semanas ela já estava de volta, que alívio! Então, vieram umas contrações bem diferentes das de Braxton-Hicks, um pouco doloridas. Mas ainda estavam espaçadas demais e, mais tarde, pararam totalmente. O jeito era esperar. Dois dias depois, a Dra. Andréa realizou o descolamento da membrana, na expectativa de que, assim, eu entraria em trabalho de parto. Dito e feito!

Como fazia todos os dias, esperei o Lucio chegar do cursinho e conversamos um pouco na cama. Assim que eu apaguei a luz, à meia-noite, comecei a sentir as contrações. Temendo que fosse mais um alarme falso, fiquei bem quietinha na cama, dormindo entre uma contração e outra. Não sei se pela ansiedade ou pelo incômodo, à 1h já não aguentava mais ficar deitada e fui para a sala. Fiquei andando para lá e para cá no nosso apartamento gigantesco, que pode ser atravessado com menos de dez passos. Assim fiquei até as 4h da madrugada, quando as contrações já estavam relativamente fortes e frequentes. Chamei o Lucio, pedi a ele que ligasse para a Dra. Andréa. Eu estava assustada e ao mesmo tempo muito empolgada – meu filho estava chegando!

Depois de perambular feito uma barata tonta do quarto à sala e da sala ao banheiro, o Lucio finalmente achou seu caminho, arrumou sua mala como pôde e nós saímos para a maternidade. Durante o caminho, tudo o que eu dizia era “vai mais devagar, mais devagar”! E ele, como me disse mais tarde, sentia uma vontade enorme de acelerar ao máximo, no percurso mais longo de sua vida.

Felizmente a Ana Cris logo veio me encontrar, seu rosto familiar e sempre tranquilizador me deu muita segurança. Estava com 6 cm de dilatação, o que me surpreendeu e alegrou bastante. “Metade já foi”, pensei, “acho que não vai demorar muito”. Ah, ledo engano!

Fiquei no chuveiro, em pé, durante um bom tempo. Quando passei por novo exame, estava com 8 cm. “Puxa vida, só?”, decepcionei-me. Mas não fiquei muito tempo pensando nisso, pois as contrações estavam ficando intensas e eu não conseguia mais relaxar nos intervalos, cada vez mais curtos.

Nem sei ao certo quanto tempo se passou, a certa altura eu não estava mais no meu controle. Agarrava-me no Lucio, chorava feito criança, resmungando “tá doeeeeeeno”. Dizem que durante o parto questões mal resolvidas com a mãe ou com o marido às vezes afloram. No meu caso, vieram à tona sentimentos e comportamentos infantis, fazendo com que eu recusasse até mesmo umas gotinhas de homeopatia oferecidas pela doula: “eu não vou tomar”, disse, fazendo beicinho. Fico imaginando o que teria acontecido se minha mãe aparecesse lá e me repreendesse “fica quieta, menina, e termina logo com isso”. Será que funcionaria?

Estourar a bolsa, quando eu já estava há tempos na piscininha inflável, não resolveu. Para ser sincera, acho que nada mais resolveria, porque eu estava tomada pela dor. No intervalo entre as contrações, sentia muita pressão no ventre e na região lombar, o que era irritante. Assim, relaxar tornava-se impossível. Comecei a pedir algo que aliviasse essa sensação. Lucio, sempre muito carinhoso, dizia baixinho que eu era forte e que aguentaria sem analgesia. De tempos em tempos, alguém aparecia na porta do banheiro para me dizer que estava acabando, que faltava só mais um pouquinho. Então eu comecei a ficar brava, “faz muito tempo que falta só mais um pouquinho”... Não tinha mais jeito. Fui para a cama, colocaram umas cintas muito apertadas e incômodas em mim, para monitorar as contrações e os batimentos cardíacos do bebê. Era o primeiro passo para a analgesia.

A partir daí as contrações foram ficando cada vez mais fortes, em intervalos que pareciam cada vez mais curtos. Sentia que elas não estavam de acordo com as demais “variáveis” – e eu estava certa, pois ainda não saíra dos 8 cm de dilatação, o colo ainda não estava totalmente apagado e o bebê ainda estava alto. Não sei quanto tempo se passou até que a analgesia finalmente fosse aplicada, para mim pareceu uma eternidade. Cheguei a perguntar algumas vezes “cadê o anestesista?”, achando que estavam me enganando. Mas ela enfim apareceu, fazendo um questionário imenso, ao qual eu não tinha a menor vontade de responder. Diante do meu silêncio, ela chegou a perguntar se eu falava português! Tive vontade de soltar “falo sim, pqp”, felizmente tudo o que saiu da minha boca foi (mais) um gemido.

Tomei a dita cuja, deitei-me na cama e fiquei lá, quietinha, completamente grogue, só curtindo o efeito da droga. Não queria saber de mais nada, estava cansada. Ao meu redor, as coisas pareciam acontecer em câmera lenta. Mas já era meio-dia (ou até mais!) e as pessoas começaram a se movimentar para almoçar. A certa altura, até o Lucio saiu. E demorou muito para voltar, o que estava me deixando apreensiva. Depois ele me contou que fora até o shopping e comera uma baita feijoada!

Dois exames de toque mais tarde, a Dra. Andréa decidiu que já estava na hora de eu começar a fazer força. Eram aproximadamente 14h. Fiquei deitada por uns instantes, depois sentaram-me na banqueta de parto, sobre a cama. É muito esquisito fazer força com uma parte do corpo que você não sente. Mas assim os minutos se arrastaram. Como as contrações estavam muito espaçadas, precisei de um pouquinho de oxitocina. E as coisas foram evoluindo bem devagarinho, o bebê parecia estar com preguiça de nascer.
Quando ele finalmente coroou, pude passar os dedos em sua cabeça, o que me deixou muito emocionada. Vi seus cabelos no espelho e pensei “vamos nascer, meu filho!”. A essa altura, eu já sentia as contrações novamente e tinha relativa sensibilidade do “anel de fogo”. Essa expressão é perfeita: sentia dor por causa da pele que se esticava, mas a percepção maior era de queimação na região. Além disso, a emoção de saber que o bebê já está para nascer suplanta qualquer sensação desagradável. Então, fiz força como nunca, fechei os olhos e, quando os abri, ele já tinha nascido. Peguei-o no colo, olhei para o seu rosto, abracei-o. Eu nem consegui chorar, de tão emocionada que fiquei.

Há tempos já não enxergava o que se passava ao meu redor. Via apenas a médica, o Lucio e o meu filho pelo espelho. Quando finalmente o peguei no colo, então, passei a outra dimensão. Logo o Lucio veio ao meu lado e começou a falar com o bebê, que abriu os olhos e procurou aquela voz conhecida. Não há como descrever o que se sente nesse momento. Tudo, absolutamente tudo fica para trás.

O Lucio cortou o cordão umbilical, o que muito nos emocionou. O que veio depois ficou registrado na minha memória de forma um pouco nebulosa. A placenta saiu, eu a vi e a achei enorme (mas pelo visto não era das maiores). O bebê foi tirado dos meus braços e percebi que ele havia feito cocô em mim! Foi uma bela cagada. O Lucio me disse, mais tarde, que seguiu o pediatra (responsável pelo sequestro do pimpolho), viu nosso filho ser aspirado e examinado, além de receber as gotinhas de colírio de praxe. Ele não precisava de nada disso, mas assim foi feito.

Logo o bebê estava de volta, enrolado em um pano e com uma touquinha branca. Fiquei com ele enquanto a Dra. Andréa me examinava. Não foi feito um corte sistemático (a famigerada episiotomia) e as lacerações foram todas superficiais. No total, tomei três pontos. E só.

Quando as enfermeiras finalmente estavam tirando todos os tubos e aparelhos que haviam conectado a mim, passei um pouco mal. Só tive tempo de dizer “acho que eu estou com um pouco de tontura”. E na piscada seguinte eu já estava deitada de novo, com uma delas ao meu lado. Felizmente o Lucio estava lá, com o bebê no colo, no maior papo com ele. A visão dos dois me tranquilizou, mas tive de permanecer deitada. A pressão havia caído. Ainda assim, isso pouco interferiu na minha alegria. Logo fomos para o quarto, o Lucio foi acompanhar o bebê ao berçário, fotografou seu primeiro banho, ficou babando pelo vidro até que finalmente ele viesse para nossos braços. Exaustos, dormimos todos em um instante. E acordamos no dia seguinte como uma nova família.

Pós-parto
Para minha surpresa, as únicas coisas que me incomodaram após o parto foram a hemorroida (que já se apresentara durante a gravidez) e o local onde fora aplicada a anestesia, que ficou inchado e dolorido. Obviamente “a periquita” também ficou sensível, mas nada que uma compressa de gelo não aliviasse. Ademais, antes mesmo de receber alta do hospital isso já estava resolvido. Os pontos ainda não foram reabsorvidos, mas não incomodam, e passada a tontura por causa da pressão baixa, movimento-me sem qualquer dificuldade. Viva a natureza!

Denise Niy, mãe do Murilo, nascido de parto normal hospitalar.
Leia também outros relatos de parto.

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