Sobre o fechamento da Casa de Parto David Capistrano Filho (RJ). Nem vou comentar, direto ao texto.
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Em defesa do parto humanizado
Criados há dez anos, os Centros de Parto Natural são alvos de críticas de entidades médicas, que defendem atendimento especializado. Unidades enfrentam ações judiciais para permanecerem abertas
Publicado em 14/06/2009 | Rio de Janeiro - Érika Busani, enviada especial
O abraço simbólico à Casa de Parto David Capistrano Filho, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, foi mais uma batalha na guerra travada entre entidades médicas e os defensores do parto humanizado desde que o Ministério da Saúde criou os chamados Centros de Parto Normal (CPN), em 1999. Atualmente, há 11 casas de parto no país.
Mulheres com seus filhos no colo ou na barriga, enfermeiras, estudantes de enfermagem e a comunidade local se mobilizaram em defesa da casa de parto na última terça-feira. O lugar havia sido fechado cinco dias antes pela Vigilância Sanitária do estado, após uma inspeção que detectou “falta de condições sanitárias”. Conforme o comunicado, faltam uma central para esterilização de material cirúrgico, cozinha e lavanderia hospitalar, além de equipamentos como monitor cardíaco.
“A nossa casa do parto tem todos os equipamentos que a normativa do Ministério da Saúde determina”, garante o presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo), Herdy Alves. “No Centro de Parto Normal não cabe o que eles pedem. A inspeção foi feita com olhar de hospital”, reclama a diretora da David Capistrano, a enfermeira-obstetra Leila Azevedo. Ela destaca que a casa tem um hospital de referência para onde as parturientes são encaminhadas em casos de complicação, além de uma ambulância à disposição 24 horas.
Na noite de quarta-feira, o desembargador Guaracy Vianna, responsável pelo plantão judiciário, concedeu uma liminar para a reabertura da casa de parto. Mas, até o fim da tarde de sexta-feira, a direção da unidade não havia sido oficialmente comunicada da decisão, permanecendo fechada para atendimento. A reportagem tentou entrar em contato com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio, responsável pela casa de parto. Em razão do feriado, a assessoria de imprensa estava em recesso na sexta.
Em 2008, a casa de parto de Juiz de Fora, em Minas Gerais, foi fechada pela Universidade Federal da cidade, à qual era ligada. Desde então, o Ministério da Saúde tenta junto ao Ministério da Educação a reabertura da unidade.
Sem médicos
As casas de parto são unidades de saúde onde o pré-natal, o parto e o pós-parto são atendidos por enfermeiros e enfermeiros-obstetras, além de nutricionistas e assistentes sociais. A missão é incentivar e realizar o parto humanizado (veja box com mais informações). Em alguns CPNs há médicos na equipe, o que, pela portaria que as instituiu, não é necessário. É o que desagrada às entidades médicas. “Estão querendo deixar as enfermeiras sozinhas para atender essas mulheres. É uma coisa perigosa e sem razão de ser”, diz o ginecologista Pedro Pablo Chacel, corregedor do Conselho Federal de Medicina. “O Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) têm resoluções e leis que garantem a permanência das casas de parto. Os enfermeiros podem fazer partos e acompanhar o pré-natal, parto e puerpério”, rebate Alves, da Abenfo. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) alega que enfermeiras e parteiras são as principais profissionais habilitadas a atender partos. Nos países desenvolvidos, onde as taxas de mortalidade materna e neonatal são infinitamente menores que as nossas, é cada vez maior a incidência de partos domiciliares”, afirma o presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), Marcos Leite dos Santos, obstetra da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e assessor do Ministério da Saúde. Na Holanda, os partos em casa chegam a 30%.
Na Justiça
Enquanto o CFM afirma que não tomará nenhuma medida contra as casas de parto – apenas contra médicos que atuarem nas unidades –, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) se posiciona totalmente contra. Segundo seu presidente, o obstetra Luís Fernando Moraes, o conselho está ingressando com uma ação na Justiça Federal pedindo o fechamento definitivo da David Capistrano. O Cremerj também proibiu que médicos atuem nas casas de parto. “A proposta dessas casas é fazer partos de baixo risco. Conforme protocolos internacionais, só se pode dizer que um parto foi de baixo risco de 24 a 48 horas após ter ocorrido”, diz Moraes.
“Sabemos que a situação de baixíssimo risco por algum motivo pode passar a alto risco durante o parto. Por isso os CPN têm condições de remover as parturientes e bebês para um hospital de referência. Os hospitais de médio porte estão na mesma situação das casas de parto: também precisam encaminhar gestantes de forma segura para hospitais maiores”, compara a médica Lena Peres, coordenadora da Área Técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde. Ela destaca ainda que a David Capistrano não registrou nenhuma morte materna em cinco anos de atividades, com 1.350 partos realizados. No mesmo período, foram duas mortes de bebês. O índice é de 1,48 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade neonatal precoce (de zero a seis dias de vida) foi de 10,86 no Brasil em 2005 – último dado disponível. No mesmo ano, 74,68 mulheres morreram no parto, em cada grupo de 100 mil.
Mães tristes e apreensivas
Ruan, 7 anos, nasceu em um hospital particular, cercado de todos os cuidados e tecnologia. Seu pré-natal foi acompanhado por um médico obstetra. As condições ideais, no entanto, não satisfizeram sua mãe, a dona de casa Fernanda Almeida de Melo Rodrigues, hoje com 27 anos. “Não tive informação de como seria o parto, entrei na sala sem saber o que iria acontecer comigo. O Ruan nasceu à noite e só veio pra mim 12 horas depois. Passei a noite preocupada”, conta.
Mesmo com a possibilidade de ter seu segundo parto em uma maternidade, Fernanda decidiu que Mariana viria ao mundo na Casa de Parto David Capistrano Filho, no Rio. Lá, a mãe participou de palestras, escolheu em que condições queria dar à luz. Seu marido foi o apoio para a posição de cócoras, seu irmão segurou o bebê e cortou o cordão umbilical. Em minutos, Mariana estava no peito da mãe.
O parto de Mariana, hoje com 1 ano e 4 meses, foi o de número mil da casa de parto. Fernanda está grávida de 7 meses e fazia o pré-natal novamente na David Capistrano. Na manifestação contra o fechamento da instituição, terça-feira, a mãe, emocionada, subiu no trio elétrico para dar seu testemunho: “Não é justo com a gente. A gente tem de ter opção. Aqui é um lugar especial, não é só um lugar de nascimento, mas de celebração da vida.”
Carinho e acolhimento são as palavras mais citadas pelas mulheres atendidas na casa de parto. “No hospital é tudo tão no seco, não tem o carinho que tem aqui. Aqui as enfermeiras são muito atenciosas. Elas acalmam a gente, conversam, preparam mesmo”, diz a estudante Bruna Cunha, 19 anos, mãe de Maria Clara, que completa um mês neste domingo.
Entre as 320 gestantes que faziam o pré-natal na casa, o sentimento dominante é a apreensão. “Estou muito triste, porque sou louca para ter a minha filha aqui”, lamenta a estudante Ana Leidilene, 21 anos, grávida de 7 meses de Karine. “Quero que reabra, não quero ter minha filha em outro lugar.”
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