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2 de junho de 2009

Desrespeito à lei do acompanhante

Da Folha de São Paulo
Hospitais violam direito a acompanhante

Instituições descumprem lei federal que garante à mulher o direito de ter companhia de sua escolha durante o parto

Pesquisas sugerem que, se está acompanhada, a mulher sente menos dor e caem os índices de cesáreas e de depressão pós-parto

Eduardo Knapp/Folha Imagem

A administradora Sydharta Cavalcanti, 33, que teve sua filha, Luana, sem a presença do marido, Anderson Sousa, 30, em SP

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro anos após entrar em vigor a lei que garante à mulher o direito de ter um acompanhante no parto, vários hospitais brasileiros ainda negam essa possibilidade às gestantes.
A lei, válida para todo o país, afirma que os serviços ligados ao SUS são obrigados a permitir a presença de um acompanhante -indicado pela parturiente- em todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
Segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o Ministério da Saúde, a regra inclui partos via convênio médico e do setor privado. Há um ano, uma resolução da Anvisa reforçou esse direito.
Na prática, não é o que acontece. A pedagoga Thaís Stella, 32, é uma das que tiveram o filho sozinha contra a vontade. Seu marido, Antonio Araújo, 32, foi com ela ao Hospital Sorocabana, em São Paulo, mas teve que ficar na recepção. "Parecia que eu ia ser presa. Tive que entregar tudo, até meus óculos. Tenho oito graus de miopia, nem consegui ver meu filho quando ele nasceu."
Antonio só ficou sabendo do que estava acontecendo depois que João nasceu, assim como os outros pais presentes, conta Thaís. Só pôde ver a mulher e o filho na tarde seguinte, no horário de visitas.
Quando terminou o horário de visitas, Thaís "implorou" ao marido que não saísse. "Estava me recuperando de uma cesárea, com dor, lutando para amamentar. Não conseguia cuidar bem do meu filho."
Ele chegou com a lei do acompanhante impressa e disse que não sairia de lá. Após muita resistência, segundo Thaís, acabou ficando -e a outra paciente que dividia o quarto com ela pediu ao marido que voltasse e ficasse também.
"Deu para ver que era uma prática comum lá. Eles não têm nem cadeiras para os acompanhantes", diz a pedagoga, que ainda não obteve resposta para a reclamação que fez na ouvidoria do hospital.

Benefícios à saúde
Pesquisas sugerem que diversos indicadores melhoram com a presença do acompanhante no parto: a mulher sente menos dor, o bebê nasce em menos tempo e mais saudável, diminuem os índices de cesáreas e de depressão pós-parto e há três vezes menos chance de morte materna.
"O cidadão brasileiro já nasce com seu direito desrespeitado. É um vexame", diz Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
Em uma pesquisa com 1.673 mulheres que tiveram filho pela rede pública, ela constatou que quase todas querem ter um acompanhante e que muitas sabem da lei. "Elas não exigem porque têm medo de retaliação, de serem mais maltratadas."
Diniz diz que, mesmo quando o parto é de risco, o acompanhante não atrapalha o médico. "E, para o bem-estar da mulher, é melhor que ela tenha alguém em quem confia do seu lado."
Hospitais afirmam que, como há várias mulheres por quarto, a presença de um acompanhante do sexo masculino pode atrapalhar a privacidade das pacientes.
Mas, segundo Lena Peres, coordenadora da área de saúde da mulher do Ministério da Saúde, um levantamento em um grande hospital mostrou que, em 10 mil partos, só houve três problemas com o acompanhante. "A lei é contundente: o hospital tem que oferecer essa possibilidade à mulher."
Ela diz que foi dado um prazo de seis meses para que os serviços se adaptassem e que o Ministério tem recursos para ações como colocação de biombos, cortinas e poltronas.
Marta Oliveira, gerente-geral técnico-assistencial de produtos da ANS, diz que, se a enfermaria não comportar o acompanhante, o hospital deverá se organizar para fazer isso.
No caso dos planos de saúde, é obrigatório deixar o acompanhante com a mulher no mínimo por 24 horas após o parto. Para o SUS, não há período definido -mas, segundo Peres, dura todo o tempo de recuperação da mãe. "Pai não é visita."
Não foi o que aconteceu com a administradora Sydharta Cavalcanti, 33, que teve sua filha, Luana, hoje com um ano e dez meses, no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Além de não permitirem que seu marido ficasse com ela no pré-parto e no nascimento, ele só pôde vê-las horas depois, no período de visitas.
"Era um sonho dele estar lá. Ele pediu, mas achou que no SUS não havia esse direito. O parto não foi mais mágico porque ele não estava", diz ela.

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Em estabelecimentos privados, ter companhia custa R$ 100

DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de permitirem a presença do acompanhante no parto, diversos hospitais privados de São Paulo cobram por isso -o que, no caso de atendimentos via plano de saúde, não deveria ser feito, dizem ANS e Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor).
A quantia, em geral na faixa dos R$ 100, costuma ser chamada de "taxa de paramentação", pois seria destinada a limpeza e higienização das roupas utilizadas pelo acompanhante.
A analista de sistemas Gisele Soares Lima, 32, conta que só ficou sabendo da cobrança na hora do nascimento de seu filho Nicolas, hoje com quatro meses. O hospital Santa Marina, onde ocorreu seu parto, cobra R$ 100.
"Achei um absurdo. Fiz o curso de gestante lá e não falaram nada sobre essa taxa. Na hora, o pai fica rendido, se cobrarem R$ 500 ele quer pagar."
Gisele conta que foi "fundamental" a participação do marido em seu parto e lembra que viu, na recepção, um homem que foi impedido de entrar com a mulher por não ter a quantia para pagar a taxa. "Esse rapaz chorava, fiquei morrendo de pena. Ele não conseguiu ver o nascimento do filho." (FM)

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Hospital diz que são casos "isolados"

DA REPORTAGEM LOCAL

O Hospital Beneficência Portuguesa afirmou que não impede a presença de acompanhante no parto e que os casos encontrados pela Folha são isolados.
A reportagem telefonou para o estabelecimento duas vezes e foi informada, pelos atendentes, de que não é permitida a presença de acompanhante. Segundo a nota enviada, a informação passada não condiz com o procedimento do hospital.
Ângelo Badia, vice-presidente médico do Hospital Santa Marina, diz que a taxa cobrada cobre custos de roupas cirúrgicas e máscaras descartáveis.
Segundo ele, os planos de saúde não cobrem esse custo, a taxa é uma das mais baixas entre hospitais de São Paulo e a paciente é avisada sobre ela antecipadamente.
Procurado pela Folha, o Hospital Sorocabana não se manifestou. (FM)

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Frases

"Fiquei absolutamente sozinha. Estava nervosa, chorei muito e senti dor. Nem pude me despedir do meu marido"

LUÍSA SOARES ABREU CIDADE, 23

"Meu marido ficou esperando, sem notícias. Disseram que estava tumultuando ao exigir meu direito. O parto foi traumático, o único capítulo que não escrevi no diário"

ELAINE TOZZI, 39

"Não tive acompanhante em nenhum dos meus seis partos. Em um deles, estava com tuberculose e queria que meu marido ficasse comigo para me fortalecer. Não deixaram"

ELISABETE FRANCO, 40

"Há vários momentos para os pais curtirem, mas ver o bebê saindo da barriga é único. Meu marido não pôde ter isso"

DJANEIDE DE FREITAS, 28

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O que fazer se seu direito for negado

PARTO PELO SUS
Reclame na ouvidoria do órgão (tel. 0800-61-1997 ou www.saude.gov.br)

PARTO VIA CONVÊNIO
Recorra à ANS (0800-701-9656 ou www.ans.gov.br)

EM QUALQUER CASO
É possível recorrer à vigilância sanitária municipal

PARTOS FORA DO SUS
Há ainda a possibilidade de procurar o Procon (em SP: www.procon.sp.gov.br)

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