Curiosa entrevista de Michel Odent à Gazeta do Povo. Curiosa porque mostra o quanto nós mesmas estamos mergulhadas na cultura cesarista. A jornalista pergunta: como convencer as mulheres de que parto normal é melhor (como se todas nós já não tivéssemos essa convicção – como mostram as pesquisas - e como se nós fôssemos pacientes a implorar por uma "cirurgiazinha" abdominal) e se o elevado número de cesáreas no Brasil decorre da cultura ou da escolha médica (ignorando que o problema não está ligado ao número absoluto de procedimentos cirúrgicos, mas à proporção destes no total de partos, desconsiderando a realidade do sistema de atendimento à saúde da mulher no páis e também desconectando a prática médica da cultura hegemônica e das relações de poder, uma quase alienação do parto).
Menos adrenalina e mais ocitocina no parto
Entrevista com Michel Odent, obstetra
Publicado em 02/05/2010 | Daniela Neves
A tecnologia é aliada do homem na Medicina, mas faz com que alguns instintos sejam deixados de lado. Para o obstetra francês Michel Odent, o aparato tecnológico está tornando os partos menos eficazes. Ele defende a “mamiferização” do parto, que é como chama o conjunto de ações que fazem com que o nascimento respeite as condições inatas da mulher. Quanto mais máquinas, especialistas por perto e iluminação, menor a segurança da mulher no momento em que ela precisa estar tranquila para dar à luz, diz Odent. O bebê deveria ficar com a mãe assim que nasce e ser amamentado na primeira hora de vida. Sempre lembrando que somos animais, o obstetra fala sobre a fisiologia do parto, sobre os hormônios e substâncias ligadas ao nascimento e ao medo, que podem causar dor.
Odent ficou conhecido por introduzir no hospital de Pithiviers, na França, o conceito da casa como sala de parto e da utilização das piscinas de parto. Autor de 12 livros publicados em 22 línguas, o médico esteve em Curitiba no início de abril e conversou com o Viver Bem.
No Brasil, preconiza-se o parto humanizado que, além de prever a presença do pai ou acompanhante na sala, propõe que o bebê fique no quarto com a mãe logo depois do nascimento. O que o senhor considera parto humanizado?
Entendo o parto humanizado de uma maneira diferente. É preciso redescobrir o nascimento, libertar-se de tudo quanto é crença e ritual milenar ou cultural, eliminando o que é especificamente humano. A começar pela linguagem, que é o método humano de comunicação. É preciso satisfazer as necessidades universais específicas de mamíferos, como, por exemplo, ter segurança. Na floresta, se uma fêmea está para ter um filhote e percebe que há um predador por perto, vai liberar adrenalina, essencial em uma situação de emergência na necessidade de partir para a luta. Essa adrenalina vai bloquear o parto, postergar o nascimento. A segurança é uma necessidade básica para qualquer mamífero. Outra necessidade básica é não se sentir observado. Então, mais do que humanizar o parto, é preciso “mamiferizar” o nascimento e por isso essa expressão parto humanizado não tem o mesmo significado para mim. Humanizar é usar um número grande de ferramentas, é a cesária.
O Brasil é considerado um dos campeões em números de cesárias. O senhor acha que isso é uma consequência cultural ou uma escolha médica?
O Brasil não é exatamente o campeão em número de cesárias. Encontramos número elevado em todos os países onde existe um grande número de médicos obstetras e nos quais as parteiras desapareceram. Acontece em todas as grandes cidades da América Latina, chinesas, indianas, coreanas, iranianas, ou em qualquer parte do mundo onde o número de médicos especialistas é grande.
Na sua opinião, qual é o principal argumento para convencer as brasileiras de que o parto normal é melhor do que a cesária?
Não sei se o objetivo é convencer. Não gosto de usar essa palavra porque o que busco é compreender qual a necessidade básica da mulher. Tive a oportunidade de conversar com estudantes do Rio de Janeiro, adolescentes, e elas afirmaram que gostariam de ter parto normal. Então, creio que o obstáculo está em entender a necessidade das mulheres.
O medo da dor no parto e as facilidades de equipamentos encontradas hoje nos hospitais faz com que muitas mulheres, principalmente das classes média e alta, optem pelo parto cesáreo. O que diria a elas?
Quanto mais difícil é o parto, maior a dor. É preciso aprender a ter partos fáceis. Quando são fáceis, o sistema fisiológico protege a mulher da dor porque o nascimento é eficaz. É o parto que libera uma boa quantidade de endorfina pelo cérebro, assim como a ocitocina, fazendo com que a dor fique de lado. Ou pelo menos ela não é tão percebida. Quando existe esse equilíbrio, mesmo que haja dor, as mulheres a esquecem logo em seguida ao parto, ao contrário de quando há uma quantidade desequilibrada desses hormônios, quando há presença da adrenalina. Para que esse parto mais tranquilo aconteça, é preciso que o ambiente seja propício. O que aprendi em 50 anos acompanhando partos, seja em casa ou no hospital, é que o ambiente facilita o procedimento e reduz a dor. Esse ambiente deve ser silencioso, sem tanta gente em volta observando, sem tanta luz. Quanto mais simples, mais eficaz é o parto. Para isso é preciso compreender a fisiologia do parto e redescobrir o que é mais simples.
Recentemente, a modelo Brasileira Gisele Bündchen teve um parto em casa, em uma banheira, o que despertou curiosidade sobre esse modelo de parto. Está se tornando comum? Quais as condições para esse tipo de parto, em casa?
A mulher que vai ter o bebê necessita se sentir segura e para isso não há uma regra para todas. Ela pode se sentir segura em casa, com uma parteira, ou perto de máquinas. São mulheres diferentes, mas que têm a mesma necessidade de segurança. Hoje o parto domiciliar é possível em uma sociedade urbana na qual as mulheres vivem perto dos melhores hospitais. O ideal seria combinar o que há de bom em casa com o que há de bom no hospital.
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