Eu não posso, com a minha história e minha vida, fazer uma postagem
fofinha nesta data. Acho que nem conseguiria, vocês não me reconheceriam, né? Então,
assim de começo, peço perdão. Por não responder, exatamente o que você me
perguntou. Por lhe perguntar coisas sobre as quais prefere não falar. Por
responder algo que desestabiliza seu conhecimento e lhe causa desconforto. E
por quaisquer outras situações...
Desta forma aberta, esta postagem não tem maiores pretensões. Apenas
gostaria que você olhasse para si mesma e pensasse um pouco sobre cada luta que
empreende após se levantar, todos os dias. Para dar conta, dentro do tempo que
tem, de todas as tarefas que se propôs fazer e que seu companheiro não divide
com você. Para educar de forma igualitária sua menina e seu menino, contra o
que diz todo o seu entorno, e talvez até mesmo o seu companheiro. Para garantir
que sua opinião sobre a vida e as coisas tenha o mesmo peso em casa. Para que o
seu parto, que acontece no seu corpo, seja só do jeito que você deseja, sem
concessões a quem quer que seja. Para que seu trabalho de maternagem seja tão
reconhecido como útil para sua família e para a sociedade quanto qualquer
trabalho remunerado. Para viver sua sexualidade de forma plena e sobre ela ter
total poder de decidir.
Eu precisei passar por muitas coisas
sozinha, para hoje compreender e viver que é muito mais fácil lutar de braços
dados com quem nos entende. Até o nascimento de minha filha eu não tinha me
dado conta de como havia sido moldada para aceitar a opressão. Dali para
frente, num aprendizado a duras penas, fui caminhando em terreno ainda mais
difícil, porque agora estava visível. Perceber que não havia saídas fáceis
provocou em mim uma mudança de rumo na vida, que hoje não tem volta. Não aceito
mais nada que eu não aprove. Posso até mesmo perder uma batalha para um poder
maior que meus próprios desígnios, mas terei lutado.
Neste mês, cruzo a barreira simbólica
de meio século de vida, e posso dizer que agora tenho consciência da minha
felicidade. Que não se faz de rosas ocasionais entregues em dias especiais, mas
da percepção de mais um dia significativo na vida. De mais uma mulher com seus
direitos respeitados. De menos uma mulher engolida pelo sistema que elimina sua
subjetividade, lhe corta o ventre e os genitais e lhe rouba o prazer de parir.
De mais um dia sem uma fábrica cheia de mulheres trancadas para morrerem
queimadas, apenas por serem mulheres.
Reconheço
em você e sua história um pouco da minha própria. Olhe bem para si e de lá
dentro traga à tona sua essência. Veja que, para ser isso que agora está em
suas mãos, precisará matar mais que um leão por dia. Não, seu drama não é
único: ele ecoa nas histórias de todas as irmãs de caminhada. E faz todo
sentido abrir a janela, a porta e ir à luta por uma vida mais digna para todas
as mulheres.
“Sinto que sou um bosque
Que há rios dentro de mim,
Montanhas, ar fresco, ralinho
E parece-me que vou espirrar
flores
Que, se abro a boca,
Provocarei um furacão com todo o
vento
que tenho contido nos pulmões.”
(Gioconda Belli)
6 comentários:
Sem palavras. :´)
To chorando. Só tu mesmo. Parabéns pra nós.
Muito bom Deborah! E textos assim devem ser divulgados e lidos por todos, não só por mulheres...
Já que homem algum tem direito a achar "chato" assuntos tão importantes. :o)
Conhecendo o blog hoje - eu, como sempre, muito atrasada em tudo - e me apaixonei por estas tuas reflexões. Que delícia ler este texto. Fervilhou diversas reflexões aqui na minha cabeça... obrigada.
amei.
Moças, não quero fazer ninguém chorar, assim não vale...
Muta, muito bom conhecer você, muito grata pelas lindas e sensíveis imagens que capturou para nós! fique muito à vontade para divulgar este e outros textos do blog. Beijo grande!
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