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29 de julho de 2013

A Violência Nossa de Cada Dia: Relato da Elis Almeida

Elis, grávida de Ester, com Pedro no colo
A violência institucional contra as mulheres em serviços de saúde é um fato tão negável quanto "invisível". Quando se trata de serviços destinados à assistência ao parto e nascimento, há ainda uma terrível naturalização dos atos e procedimentos executados pela equipe, que são vistos como inseparáveis da "situação parto". Para mudar essa cultura, é vital que mais e mais mulheres contem suas vivências e mostrem às outras e ao mundo que violência não é natural, que seus corpos lhes pertencem e não podem ser aviltados em nome do que quer que seja. Violência obstétrica é violência contra a mulher.

Elis Almeida é uma dessas mulheres, que cotidiana e diuturnamente são violentadas pelo sistema de saúde e pelos serviços obstétricos. Hoje ela compartilha conosco a história de violência que cercou sua gestação, e principalmente o parto de seu segundo filho, Pedro.


Parto do Pedro.

Junho de 2011: descobri a planejada gravidez e comecei o pré-natal na cidade que eu morava na época (Diadema), acompanhamento feito por Enfermeira Obstetra, e com GO a cada dois meses (em UBS).Todos os exames de rotina realizados no primeiro trimestre confirmando uma gravidez normal, e assim seguimos.
Segundo trimestre de gravidez, eu já estava morando em S. André, e transferi então o pré-natal para uma UBS próxima ao meu novo endereço.




Bem diferente do atendimento que eu recebia pela EO, no inicio do pré-natal, quem me atendia era um GO, que minava minha confiança, me deixava com medo me dizendo que se eu continuasse engordando que eu poderia ter eclâmpsia e que ele já havia perdido mãe e filho por causa disso...eu cheguei a sair do consultório chorando. De qualquer forma, eu não seria atendida por esse GO no TP, pois em hospital do SUS é contar com a sorte de encontrar um bom plantonista....Eu estava de certo modo tranquila pois o hospital de referência em S. André é o Hospital Maria Jose dos Santos Stein – Hospital da Mulher, e pelo que eu sabia, (e acreditava) era um hospital humanizado. Porém, ao completar 36 semanas de gestação, fui ao curso de gestantes que o hospital oferece, com intuito de conhecer o hospital. Qual não foi minha surpresa? A GO palestrante era uma pessoa totalmente intervencionista, arrogante e quando eu questionei o motivo do hospital não permitir a presença da doula, ela respondeu dizendo: "doula é uma leiga que fica fazendo massagem". Fiquei arrasada diante dessa fala e de várias outas coisas que foram ditas pois um hospital com infraestrutura para parto natural tendo 5 salas para parto natural, equipada com todo aparato que poderia servir de alívio não farmacológico para a dor, e a GO prometia ter anestesia peridural para que as "mãezinhas" não sentissem dor (contração). Isso realmente me deixou nervosa e apreensiva, pois eu já estava na reta final, meu exame de Strepto B era positivo e eu não seria aceita na casa de parto. Isso para não mencionar uma equipe multidiciplinar que não me pareceu muito preparada, inclusive ouvi uma fisioterapeuta falar que o feto é prematuro até 39 semanas de gestação....isso eu realmente não entendi....meus filhos nasceram com menos de 39 e nenhum deles teve qualquer sinal de prematuridade.



De qualquer forma pedi ao GO fofo da UBS que pedisse um novo exame de Strepto e ele se recusou dizendo que não era necessário que o procedimento correto era eu estar na maternidade 4 horas antes do parto, para a profilaxia com ATB. Ok. Ainda me dei ao trabalho de dizer a ele meus motivos para uma tentativa de parto na Casa de Parto Sapobemba, mas ele deu de ombros....e eu fiquei sem essa opção....



Passada a semana 37, eu ainda com alguma esperança de conseguir ir para a casa de parto, decidi fazer o exame de Strepto particular, mas o doutor havia escrito com letras garrafais no meu cartão de pré-natal que o Strepto era positivo, então eu não teria chance na CP, mas mesmo assim estava disposta a conversar ...
No dia em que completaria 38 semanas acordei com cólicas leves, eu nem imaginava que já era meu TP latente. Fiquei até a hora do almoço com dores leves que irradiavam para as costas, mas à medida que eu realizava minhas tarefas e mexia com o corpo as dores amenizavam... Foi só por volta das 14h30' que me dei conta que era TP mesmo, pois as dores se intensificaram e eu não conseguia mais controlar, além de fortes as contrações se tornaram ritmadas e para minha surpresa já estavam de 3 em 3 minutos. Fiquei monitorando por 1 hora e liguei para o meu marido que chegou em casa por volta das 15h40'. Saímos para o hospital, e chegando lá, após a triagem, a qual eu passei sozinha, pois foi me negado o direito de ter comigo o acompanhante em todo o tempo, foi constatado que eu já estava com dilatação total, então fui levada numa maca, embora eu pedisse para andar, não fui permitida. Fui levada para uma sala pequena com o ar condicionado congelante, na qual observavam vários acadêmicos (fiquei muito constrangida e intimidada com as falas da médica que usava aquele momento e o meu corpo para ensinar os procedimentos a uma aluna que estava sentada ao meu lado, a qual fez o corte da episiotomia inclusive tendo ficado com o rosto todo respingado do meu sangue, pois eu vi e ouvi quando a médica responsável sugeriu que ela fosse lavar o rosto)... Estavam todos ali olhando e intervindo sem o meu consentimento e o pior de tudo sem ao menos me informar o que estava sendo feito do meu corpo, e em dois momentos onde eu fiz menção de gritar por causa da dor, eu fui reprendida pela médica.



Como eu já estava no período expulsivo do TP, pensei que escaparia das intervenções, mas me enganei.
Pedi para mudar de posição pois aquela posição litotômica estava aumentando a dor das contrações, não permitiram.



Ouvi quando a médica disse: o líquido está claro, e nas suas mãos havia algo como uma agulha de crochê...começara então a cascata de intervenções tive a bolsa rompida artificialmente (aminiotomia). Provavelmente em seguida veio a episiotomia que também não consenti... Logo vieram os puxos dirigidos e eu me neguei a fazer força, pois tive medo, e pedi ao meu marido que verificasse se o bebê estava mesmo nascendo, pois eu não sentia nada, como se estivesse anestesiada, e tinha naquele momento apenas uma sensação estranha como de quem está a evacuar (totalmente normal devido à pressão do bebê descendo pelo canal vaginal), mas eu não sentia o bebê. Pedro nasceu e eu não fui a primeira a pegá-lo, depois me fizeram um acesso na veia para aplicação de ocitocina , mesmo eu dizendo que não queria pois não havia necessidade já que meu filho já tinha nascido, e mesmo assim tive o acesso na veia para essa medicação. Só me deixaram pegar o meu bebê depois dos procedimentos desnecessários nele também (ele nasceu muito bem, teve apgar 9, mas mesmo assim foi aspirado, teve sonda nasogástrica inserida em seus orifícios, colírio de nitrato de prata, sendo que não tenho doença que justificasse o uso desse colírio). Eu acredito que fui impedida de pegá-lo por que a médica perguntou se eu havia feito o exame de VDRL no terceiro trimestre, eu não respondi, pois eu estava nervosa e irritada com todos os procedimentos e tive muito medo, queria muito sair logo dali, foram poucos minutos com aquela equipe, que pareceram uma eternidade para mim...Enfim, colheram meu sangue para a realização do ELISA, e só me deixaram por as mãos no meu bebê 45 minutos depois do nascimento dele.


Cheguei nesse hospital às 16h, meu filho nasceu às 16h26...

Eu fui autorizada a pegar meu filho nos braços pela primeira vez às 17h, foi nesta hora que tive o primeiro contato com meu bebê, ao ser levada de cadeira de rodas para a enfermaria.

Eu não sei se consegui relatar adequadamente, mas são essas as lembranças que me vieram agora. Talvez eu possa acrescentar algo ainda, mas acredito que todos os atos violentos, institucionais e protocolares foram registrados, embora ainda tenha um médico que foi bastante indelicado, quando me queixei da episiotomia dizendo que não queria que fosse assim, ele me respondeu dizendo que se eu fui para aquela instituição é porque confiava... Pedi a ele que desse alta, pois eu não queria mais estar naquele lugar.


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