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18 de abril de 2013

Barriga de grávida: de domínio familiar a domínio público


Minha rotina de mulher trabalhadora pouco se alterou quando me descobri grávida: continuei acordando cedo para pegar carona até o metrô e, depois do metrô, ainda tinha tempo para o pão na chapa e o suco de laranja antes de iniciar a jornada laboral.
No primeiro trimestre, minha barriga não passava de gordura localizada. Hoje em dia, um pouco antes de menstruar, certamente fico mais barriguda do que naquela época. Só lá pelo quarto mês é que minha prenhez se tornou perceptível, ainda assim muito mais pela minha insistência em acariciar a barriga do que pela sua proeminência.

De fato, foi só aí que comecei a vislumbrar como nossa sociedade se apropria das grávidas e de suas barrigas como se fossem de domínio público. É assim, por exemplo, que muitas barrigas são acariciadas por pessoas desconhecidas, sem qualquer pedido de licença. Davis-Floyd diz que o ventre grávido torna-se "domínio interacional público", como se não fosse parte do corpo de um ser humano dotado de individualidade e vontade própria.
Outra situação comum nas conversas casuais é um tanto mais sutil, porém igualmente reveladora: os interlocutores fixam seu olhar na protuberância abdominal da grávida, "esquecendo-se" de olhar a mulher nos olhos.
Se por um lado eu me sentia um objeto nessas ocasiões, por outro lado, considerava-me muito poderosa e especial por carregar outra vida dentro de mim. Eu não era uma, mas duas pessoas ao mesmo tempo. Como muitas outras grávidas, achava-me brilhantemente excepcional. Ainda hoje admiro demais o corpo grávido e, confesso, sinto muita saudade de me sentir como naquela época: o máximo.
Eu me sentia bem. Achava-me uó. E não tinha o menor problema para sair de casa todos os dias para trabalhar, continuar indo ao cinema e a restaurantes, e só reduzi a frequência aos bares da vida porque achava muito chato ficar de plateia para a cerveja alheia.
Mas as coisas nem sempre foram assim. Até a metade do século passado, gravidez e mulher grávida eram assuntos familiares. A gestante passava a maior parte de seu tempo reclusa, afastada do convívio social, e se disfarçava a prenhez inclusive pela linguagem. Minha mãe conta, por exemplo, que sabiam que "tinha novidade" na família toda vez que minha vó começava a preparar uma certa canja fortificante. Assim, era muito comum utilizar eufemismos como "em estado interessante" para se referir à mulher grávida. No contexto daquela época, manter a grávida reclusa equivalia a camuflar o fato de que é a natureza - e não a sociedade - que controla ou comanda a gravidez.
Com o passar das décadas, a gravidez foi paulatinamente redescrita e passou de evento privado e feminino a evento público e médico. É assim, então, que hoje se entende a gravidez como evento da natureza "sob controle". Nesse contexto, a mulher pode se sentir a própria mãe natureza - desde que permita que a sociedade controle a natureza, ou seja, seu corpo. Como isso se dá? Ah... precisaríamos de muitos e muitos textos para abordar o assunto. O controle do corpo da mulher, na gravidez ou não, compreende um debate tão árido quanto necessário.

4 comentários:

Carol Valente disse...

Eu também me sentia muito poderosa na gravidez. Muito mesmo, me conectei com a natureza de forma muito forte. Mas eu achava muito curioso como as pessoas se projetavam nisso. Quem era louca pra ficar grávida, dava seus pulinhos e acariciava; quem tinha inveja, olhava de canto de olho; e quem teve uma péssima experiência de gravidez dizia: "você não sente que estão alugando seu corpo? não sente que ha um intruso?" de fato estavam "alugando" meu corpo, mas eu me sentia tão especial por estar gerando um ser humano, tão parte da terra e da natureza, não conseguia parar pra pensar que era um "intruso". Achei interessante e conheci muito das pessoas com esses comentários. rs

Estar grávida é ser abençoada, na minha opinião :)

Bjinho!!

Alessandra Caprara disse...

Posso falar de 3 momentos: na primeira gestação eu sentia esse poder feminino de gerar. SAbia que muito mudaria, mas tudo bem teórico. Então senti o entorno respondendo à gestação e percebi que muito mais mudaria. Muito mais mudou mesmo!!! E eu não entendia como poderia ser daquele jeito? E a tal mulher moderna? Ela que tudo faz e no fim do dia está arrumadinha, lindona e cheia da grana? WHAT? ela não existe? Caí do cavalo.
Na segunda ainda tentei manter a mulher que tudo faz e me vi deteriorando. Minhas convicções em conflito com as novas convicções que haviam nascido e outras ainda em nascimento. Tanta mudança em menos de 2 anos. Ainda o poder, ainda a mulher maravilha! Fiquei um bagaço, confesso.
Agora, na terceira, na metade. Estou mulher, sensível, respeitando meus limites e minha liberdade de sentir, de ser eu e nada super. Só a poderosa geradora, capaz de sentir a vida crescer dentro de mim, mas é um poder diferente, é um poder de vida! E agora sou vida, entregue. Sou mãe, sou mulher, sensível, hormônio. E meu marido que se vire com seus conflitos próprios... e com os meus também hahahaha se quero, digo. se penso, falo. E quem não gosta? tchau! ;)

Aline Thais de Melo disse...

Também me achava a melhor grávida! Mais bonita, mais feliz. Estar grávida é tudo de bom! Mas é isso mesmo, todo mundo acha que pode passar a mão, dar palpite... haja paciência.

Denise disse...

Acho que as orelhas da grávida também viram domínio público! Todo mundo se acha no direito de alugá-las! :o)

Mas é interessante mesmo como esse período é uma transição entre dois mundos, o de não ser mãe e o de ser mãe... velhas convicções dando lugar a novas convicções...

E depois que o bebê nasce... cadê aquela mulher que era a mãe-natureza encarnada? Olha outro conflito nascendo...

 

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