Profissões,
faculdades, pesquisas, hospitais, maternidades... no cenário do
nascimento brasileiro contemporâneo, inúmeros saberes estão reunidos em
torno de um só objetivo: garantir a melhor assistência à mulher e ao
bebê. E o que significa isso? Dar assistência, a meu ver, envolve
sobretudo proteger, amparar, auxiliar.
Infelizmente,
porém, um complexo e mesmo idiossincrático caldo cultural inundou nossa
sociedade, de modo que a assistência transfigurou-se. Com o passar dos
anos e, pasmem, o desenvolvimento técnico e tecnológico, hospitais e
maternidades tornaram-se péssimos lugares em termos de proteção, amparo e
auxílio à parturiente.
Meus
dois primeiros parágrafos parecem mais uma viagem a Marte do que uma
mensagem em defesa da integridade da mulher, não é mesmo? Pois bem, no
Brasil de hoje, essa mudança planetária se faz necessária. Precisamos
mudar de perspectiva radicalmente para enxergarmos a violência na
assistência ao parto.
O que e como seria essa violência, afinal?
Ainda
esta semana os sites e jornais denunciaram que uma mulher teria sido
obrigada a dar à luz algemada - pelo fato de estar cumprindo pena de
detenção. Essa notícia choca e causa furor, faz pensar sobre o absurdo,
sobre o abuso, sobre a violência.
Obviamente
essa constituiu uma enorme violência da assistência contra uma mulher
que já se encontrava tolhida de seu maior bem, a liberdade, por motivos
que pouco nos interessam agora. Violência clara, evidente, objetiva.
Alguns
outros casos de violência contra a mulher no momento do parto podem ser
facilmente recuperados da memória coletiva. Quem nunca ouviu falar de
mulher que teve os braços amarrados, ou as pernas imobilizadas na hora
do nascimento de seu filho? Quem nunca ouviu falar de mãe adolescente
que foi hostilizada ou mesmo ofendida durante o trabalho de parto, pelo
simples fato de ter menos de 18 anos? Casos comuns, por mais que me doa
dizer, que fazem parte da nossa realidade.
Ainda
assim, por mais sérios e recorrentes que sejam, gostaria de tratar,
ainda, de outros casos de violência contra a mulher na assistência ao
parto. Casos ainda mais frequentes, comuns e recorrentes do que os
narrados anteriormente. Mais triste do que isso, trata-se de casos
silenciados, desconhecidos do nosso grande senso comum.
De
que falo então? Falo daquele tipo de violência que simplesmente não
integra nosso conhecimento coletivo porque não é enxergado como tal. São
práticas, rotinas, condutas, posturas tão disseminados e comuns que se
incorporaram ao rol de itens “normais” da assistência ao parto. Mas não
são. Não podem ser normais, e não podem ser assim aceitos, uma vez que
causam dano à mulher e ao bebê.
Como
disse anteriormente, precisamos adotar outra perspectiva para enxergar
essa cena com mais clareza! Isso porque o caldo cultural em que estamos
imersos nos faz acreditar que profissional de saúde sabe o que faz e se o
faz é porque tem autoridade para tal. E assim, com essa crença,
aceitamos diversas práticas que causam dano à mulher e à criança, pelo
simples fato de não as entendermos como atos de violência.
É
assim, por exemplo, que nas maternidades brasileiras todo
recém-nascido, logo após ter chegado ao mundo, é levado a uma sala de
observação, onde permanece por horas e horas, longe da sua família e do
aconchego dos seios de sua mãe. A separação acontece simplesmente porque
faz parte dos protocolos hospitalares: algum dia, em algum lugar,
alguém escreveu que todo recém-nascido deveria ir para a observação logo
que o cordão umbilical fosse cortado. E a partir de então a regra
passou a ser cumprida, sem qualquer avaliação sobre sua pertinência e
validade.
Separar
o recém-nascido da mãe causa inúmeros danos à saúde física e mental da
dupla. Basta lembrar que a amamentação e o vínculo mãe-bebê começam a se
estabelecer já nos primeiros minutos após o nascimento. Tanto é que a
campanha de 2007 da Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM) adotou o
slogan “Amamentação na primeira hora: proteção sem demora”.
Assim,
por causar danos à mulher e à criança e sem qualquer necessidade ou
indicação, a separação entre mãe e bebê logo após o nascimento constitui
enorme violência - tanto física como emocional.
Como
esse protocolo hospitalar, existem muitas outras práticas corriqueiras
da assistência ao parto que configuram violência contra a mulher e
contra o bebê. Violência(s) que permanecem invisíveis aos nossos olhos,
de tanto que se incorporaram ao cotidiano das maternidades brasileiras.
É por isso que hoje, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher,
convocamos tod@s para refletir sobre o modelo de assistência ao parto
que temos em nosso país. Chega de violência, seja ela velada ou não.
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Um comentário:
falamos da mesma violência não é?
essa violência que nem exergamos, pro que faz parte de um pacote cotidiano no parto!
bjs
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