Ontem a Folha de São Paulo publicou uma coluna de João Pereira Coutinho bastante infeliz, em que ele ironicamente se refere ao mamaço promovido no Itaú Cultural. Em certa ocasião, uma mulher foi impedida de amamentar no espaço de exposição da instituição e por isso o mamaço foi organizado, em defesa da amamentação em locais públicos. Coutinho se mostrou surpreso diante do mamaço, da amamentação em locais públicos, do direito à amamentação por parte da criança. E em um texto pretensamente irreverente, acabou por reforçar preconceitos e associar a amamentação a atos da esfera privada (como tomar banho e defecar) e mesmo a atos eróticos, como sexo e masturbação. Faltou habilidade ao colunista - em diversos sentidos. E é revoltante pensar que ele recebe para fazer isso. Por esse motivo e em defesa da amamentação, escrevi para a ombudwoman da Folha. Eis a carta. Em tempo: e ele ainda teve a infelicidade mor de intitular a coluna de "mamonas celestinas", em evidente referências à extinta banda Mamonas Assassinas.
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Lamentável que um jornal como a Folha de São Paulo se preste a publicar colunas como a de João Pereira Coutinho, divulgada ontem, 16 de maio.
Em seu texto, Coutinho iguala o aleitamento materno a atos privados de forma bastante infeliz, talvez pela imperícia de sua escrita, ou talvez pela estreiteza de seu pensamento.
Amamentar é um ato de intimidade entre mãe e filho. É um ato de amor. É um ato de sabedoria. É um ato de carinho. É um ato de saúde. É um ato de vida. Amamentar reune num só ato uma infinidade de utilidades e significados, que vão muito além da alimentação.
Mas amamentar não é um ato sexual. Por mais prazeroso que possa ser - para mãe e para filho -, não tem conotação sexual. Como muitos outros prazeres da vida que não envolvem sexo.
O que incomodaria então pessoas como Coutinho, que reconhecem os benefícios da amamentação, mas se opõem a ela com caras enojadas quando realizada em público?
Por envolver a intimidade entre duas pessoas? Oras, amamentar é um ato de initimidade, sim, assim como uma conversa entre duas pessoas confidentes, assim como um abraço fraterno, assim como uma troca de alianças na igreja. Atos que envolvem elevado grau de intimidade, mas que não necessariamente devem ocorrer entre quatro paredes.
Ou será que o incômodo se dá pela exposição do seio materno? Oras, o seio materno está lá, exposto, para que o infante se alimente. E a cena pode ser assim apreciada, como uma demonstração de afeto, de vida, de carinho. Mas não como ato sexual. Confundir amamentação com pedofilia requer uma mente muito doentia, com o perdão da rima.
Mas talvez esse não seja o caso do colunista da Folha. Talvez ele se incomode pelo fato de a mulher ter deixado a clausura do lar. Oras, se a mulher sai à rua para trabalhar, para ir ao cinema, para visitar exposições, para fazer compras (inclusive para abastecer os lares burgueses), para se confraternizar com outras pessoas (mulheres e homens), por que então ela deveria permanecer restrita às paredes domésticas nos primeiros meses e anos de vida de seus rebentos?
Ou será que o autor do triste texto prefere que nossos bebês celestinos sejam amamentados em banheiros, em cabines telefônicas, enfim, em locais confinados, longe dos olhos dos transeuntes? Ah... talvez seu desejo seja mesmo esse: mulheres na rua, sim, mas só se for de um jeito sexualmente aprazível aos homens. Nada de mostrar que o corpo feminino se preza por outros prazeres!
Mais uma vez, lamentável. E mais lamentável ainda que essa coluna tenha sido ilustrada - de modo imprudente - por foto tão linda, que poderia ter usos tão mais qualificados.
Como leitora e cidadã, gostaria que a Folha e Coutinho se retratassem publicamente. Textos como esse em nada contribuem para a democracia.
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2 comentários:
Maravilhoso!
O tal Coutinho da Folha apenas deixou escapar uma velada tara dele por mamães gostosas de seios suculentos amamentando na rua. Ele, ao invés de "desligar" o radar de macho para poder ler aquilo ali como pura e simplesmente um ato natural, necessário e isento de qualquer conotação sexual (a amamentação), faz exatamente o contrário, permitindo-se uma encoberta excitação que, por sua vez, descamba num explícito incômodo, pois para ele, como o mesmo falou, aquilo ali tem peso social de ordem sexual, deveria acontecer “entre quatro paredes”. Não é que racionalmente ele tenha em equivalência "masturbação" e "amamentação". Claro que não, e é nisso ai em que paira a tese da Ironia. Ele não é (tão) bobo. Só que ele mesmo não percebe (ou percebe agora) as razões por detrás do próprio incômodo.
É nada mais, nada menos, que mais um caso de uma cabeça de cima sendo traída pela de baixo.
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