A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra há muito tempo que há diferenças enormes de ganhos entre homens e mulheres. É um assunto velho e que parece não chamar mais a atenção, mas no primeiro trimestre deste ano, por exemplo, em média, os homens recebiam quase 30% a mais que as mulheres: enquanto os rendimentos médios delas era de R$ 2.174, o deles correspondia a R$ 2.809.
A diferença salarial entre homens e mulheres acontece para todos os tipos de trabalho, em todos os níveis hierárquicos. Além disso, de tempos em tempos saem notícias sobre setores em que as mulheres compõem a maior força de trabalho, mas ocupam pouquíssimos cargos de liderança. Do ensino superior, à pesquisa e à saúde, entre tantos outros campos, as notícias simplesmente não mudam.
Algumas vezes já fui procurada por amigas pedindo ajuda para calcular quanto deviam cobrar por um determinado trabalho. Especialistas no que fazem, extremamente capacitadas, sentiam-se perdidas na hora de cobrar pela sua atividade produtiva, pelo seu conhecimento e, porque não dizer, pelo seu tempo.
Não sei o que dizem os gurus de negócios, administração, marketing ou seja lá que campo de conhecimento possa ser ativado para tratar da remuneração de um trabalho. Mas pessoalmente preciso avaliar quanto tempo terei de investir em determinada atividade – sendo ela remunerada ou não – simplesmente porque sobram atividades e faltam horas no dia. Uma necessidade imposta pela vida.
Por mais óbvio que isso seja, essa obviedade não entra na conta da maioria das mulheres que conheço quando avaliam seu desenvolvimento pessoal e profissional.
Eu costumava me achar uma profissional pouco produtiva, entendia-me como uma procrastinadora crônica, e sentia vergonha por muitas vezes só finalizar as tarefas em cima da hora, ou mesmo com atraso. Meus orçamentos eram baixos demais, e eu raramente tinha uns trocados para comprar algo de que precisasse. Enquanto isso, lia sites e livros sobre formas milagrosas de vencer a procrastinação e sobre como ser mais produtiva... e claro, nada funcionava. Estava fadada ao insucesso, era o que eu pensava, e acostumei-me a pensar dessa maneira a meu respeito.
Não que esse modo de agir e pensar tenha sido totalmente superado (olá, patriarcado!), mas ao refletir sobre o meu tempo disponível, sobre as minhas prioridades e sobre as minhas necessidades, aprendi a dizer "não" para aquilo que, por algum motivo, não cabe no meu dia. Também aprendi a me valorizar mais nas atividades que faço em troca de dinheiro. Entendi que para realizar determinada tarefa, preciso não apenas de conhecimento, mas também (ou principalmente, a depender do caso) de tempo. Tempo para refletir sobre o processo e os campos de conhecimento envolvidos, tempo pra colocar a mão na massa e executar a tarefa.
Periodicamente preciso renovar meus votos de comprometimento comigo mesma, para que não volte a desrespeitar minha existência como mulher, mãe e trabalhadora. Preciso cozinhar, lavar roupa e limpar a casa, porque sem isso minha vida e a do meu filho se tornam muito piores. Também preciso ter tempo para conversar com ele, brincar, ver um filme, ler um livro antes de dormir (e sem que eu mesma adormeça no meio da leitura, vencida pela exaustão). Eu e ele enfrentamos pandemia, com mudança de casa e de cidade, escola nova, ciclo novo, aulas online, aulas presenciais, tudo isso tendo em perspectiva que ele é um adolescente como outro qualquer, ou um pouco mais intenso, pelo fato de ser autista. Motivos a mais para pensar muito bem o que faço com a minha energia produtiva!
Eu mesma me pergunto, quanto vale o meu trabalho? E o meu tempo? A cada clique sou invadida por uma sociedade machista neoliberal, apontando o dedo para mim e dizendo que sou improdutiva e procrastinadora, e que meu tempo pouco vale. A pergunta que devolvo, agora, é: segundo os padrões de quem?
Em termos de dinheiro, não recebo um real de quem quer que seja pelo trabalho mais árduo que realizo há mais de 16 anos, o de ser mãe. Ser mãe tem muitos significados, e um deles, em especial em nossa sociedade, é se matar de trabalhar, receber críticas de todos os lados e lucrar zero reconhecimento. O trabalho de ser mãe ocupa todas as 24 horas do dia, nos sete dias da semana, o ano inteiro, sem folgas nem férias. Mas mesmo sendo árduo e nada reconhecido, ser mãe é o trabalho mais valioso que realizo, com 100% de certeza. Para mim, não há valor maior do que trabalhar para que meu filho cresça feliz e saudável, desenvolvendo-se em sua plenitude. Há muito amor envolvido nesse trabalho, sim, mas nem por isso o trabalho deixa de existir.
A depender dos privilégios de cada pessoa, a aridez da maternidade pode ser amainada – contudo, é bom lembrar, em geral isso vem com o envolvimento de outras mulheres menos favorecidas e na maioria das vezes negras. Acaba sendo uma espiral de exploração do trabalho das mulheres, da qual as mais pretas e menos escolarizadas têm pouca ou nenhuma chance de escapar. Em geral, mal valorizamos o trabalho que essas pessoas desempenham quando estão sendo remuneradas, e sequer olhamos para tudo aquilo que elas produzem em seus lares, como mães, amigas, cuidadoras... Então, pergunto, quanto vale o trabalho dessas pessoas? E o tempo delas?
Se medimos o valor do trabalho e do tempo pela régua da sociedade patriarcal neoliberal, atividades como amamentar, trocar fralda e colocar pra dormir ficam na invisibilidade. Na nossa sociedade, isso não é visto como uma atividade produtiva, nem como trabalho. Meu filho não mama nem usa mais fralda, mas tudo aquilo que faço no exercício da maternidade acaba nesse mesmo lugar do trabalho invisível e não remunerado. Essas atividades não entram na conta da produtividade e aparecem como procrastinação. Assim, não há como eu me enxergar como pessoa bem-sucedida de acordo com essa perspectiva. Por isso mesmo, sempre preciso me lembrar de assumir outro ponto de vista, para que diariamente eu possa ser protagonista do meu trabalho e do meu tempo.
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