Crayon aquarelado de Juliana Santos |
A história da produção de evidências na área de cuidados com a gestação, o parto e o pós-parto se confunde com a própria cultura de saúde baseada em evidências, praticamente tudo que construímos de conhecimento básico já está aí há mais de trinta anos, e passa por constante atualização. É verdade que ainda há muita barreira de idioma, tanto para usuárias como nós quanto para o profissional da assistência, dado que o “grosso” dessas informações está publicado em inglês.
Para auxiliar na popularização dessas informações, já contamos com iniciativas como a da Dra. Melania Amorim, que recentemente iniciou a publicação de discussões amparadas pelas mais sólidas evidências em seu Estuda, Melania, estuda! No entanto, a disponibilidade das informações não tem sido suficiente para a mudança de práticas por parte dos profissionais.
Desconfio fortemente – sou mineira, portanto, desconfiada – que, assim como em outras áreas que demandam mudança de comportamento, informação disponível e apreendida não é suficiente. Senão, vejamos: seriam fumantes desinformados dos potenciais riscos à saúde que lhes ocasiona o hábito de fumar? Mulheres e homens adolescentes desconheceriam os riscos da ocorrência de uma gestação indesejada ou uma DST ao praticar sexo desprotegido? Esses e outros exemplos podem nos dar a medida da dificuldade que existe em mudar comportamentos quando há questões mais complexas envolvidas.
Assim é que minha desconfiança cresce ainda mais, quando vemos corporações profissionais rebatendo evidências e defendendo práticas baseadas em outras crenças. Ou no “achismo”, como me disse outro dia uma aluna de especialização em enfermagem obstétrica. Os outros interesses envolvidos, explícitos ou não, formatam a prática da assistência.
Vou introduzir aqui um conceito: conhecimento autoritativo. Já ouviu falar? É aquele do tipo “falou, tá falado!” Isto é: se essa pessoa cheia de diplomas e tão famosa disse isso, quem sou eu para questionar? Pela sua capacidade de formar opinião, delinear o pensamento vigente e influenciar práticas, bom seria que o conhecimento autoritativo sempre estivesse alinhado com as evidências, não é? Mas no Brasil não está, senhoras e senhores. Pelo menos não no que diz respeito aos cuidados com gestação e parto. Já nem menciono o pós-parto aqui, porque este é um campo obscuro a que poucos debruçam o olhar cuidadoso.
Às mulheres – e a quem segue com elas nessa caminhada – resta uma árdua batalha: escolher para si condutas que não estão disponíveis no menu que lhes apresentam as instituições que tradicionalmente lhes assistem nessa etapa da vida. Não, não adianta aprender tudo o que reza a cartilha da prática baseada em evidência e querer que o profissional escolhido, que a acompanhou desde a adolescência, respeite suas decisões. Algum grau de desinformação dele até pode existir, mas outros fatores são determinantes mais fortes de suas condutas: a formação pela qual passou nos bancos de faculdade, o papel social do qual está investido, a construção de gênero prevalente na sociedade, a pragmática questão econômica e de organização financeira da vida.
Respeito a direitos ocorre de forma seletiva: uma mulher que decide por uma cesárea será rapidamente respeitada. Já aquela que decide por um parto normal sem intervenções... ufa! Essa vai ter que “suar a camisa” para ser respeitada, e provavelmente não o será, se não se rebelar frontalmente. Talvez esteja nascendo aqui mais uma evidência – pesquisadoras, olha aí um bom problema de pesquisa! – o que uma mulher precisa para ter seus direitos reprodutivos respeitados e receber uma assistência baseada em evidência no Brasil?
Eu diria que talvez seja necessária uma boa dose de “loucura” e rebeldia!
Um comentário:
Sejamos todas loucas e rebeldes por um parto respeitoso!
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