A certa altura da gravidez, minha barriga era tão pontuda e proeminente que eu dizia que ela sempre chegava antes de mim aonde quer que eu fosse. Era uma brincadeira, mas como tal, tinha sim um fundo de verdade.
Ainda grávida, eu percebi como a mulher é despojada de sua individualidade quando está prestes a se tornar mãe. Tanto é que todo mundo (sim, todo mundo!) dá palpite sobre a vida da grávida. Por exemplo: está se alimentando bem? Você pode comer por dois! Não faça isso, não faça aquilo, ou ainda, faça isso, faça aquilo. E os "carinhos" na barriga, então? Quase diariamente chegava em casa com a blusa suja na barriga - algumas vezes, por não saber medir direito a distância do balcão do bar, na hora do café, mas na maioria das vezes, simplesmente porque tinha recebido muitos "carinhos" na barriga ao longo do dia. Evidentemente, ninguém pedia licença pra fazer isso. E pior, muitas vezes eu sequer conhecia a pessoa. Como bem dizem por aí, barriga de grávida é de domínio público.
Mas e as vontades da grávida? Puxa, essas são mais ocultas que as confidências trocadas pelas bruxas de Eastwick. Ninguém se ocupa dos desejos da grávida, a não ser que sejam desejos por alimentos esdrúxulos, pois isso é o máximo que a grávida pode desejar, além de uma criança viva ao fim dos meses gravídicos.
Se ao acaso a grávida deseja sair à noite para dançar, falar sobre política, dirigir ao longo de toda a gravidez, trabalhar... por vezes, isso é avaliado como egoísmo da parte dela, grávida, que de tudo deveria abrir mão em nome da saúde e do conforto do feto. Mas... sejamos sinceros, nenhuma dessas atitudes põe em risco verdadeiramente a saúde e o conforto do feto. Trata-se, pura e simplesmente, de encheção de saco!
É por esse caminho também que a mulher é colocada em segundo plano na assistência ao parto. Exemplo banal: ao entrar na maternidade, a mulher deixa de ter nome e passa a ser tratada como "mãezinha". Que infelicidade, aquela mulher toda poderosa que está carregando uma vida em seu ventre é tratada sem individualidade e ainda no modo diminutivo! Que desrespeito.
A falta de consideração e de respeito pode ser verificada ainda em outros aspectos da assistência ao parto que é padrão no Brasil. Exemplos rápidos: a mulher nem sempre consegue fazer valer seu direito a um acompanhante de sua escolha durante todo o período em que está no hospital. Na maioria das vezes a mulher não pode se alimentar durante o trabalho de parto, algumas vezes ela sequer pode beber água (e essas recomendações não fazem mais sentido). Os profissonais de saúde muitas vezes entram no quarto onde a mulher está sem pedir licença e sem se apresentarem e ainda fazem exames (como o de toque, para medir a dilatação) mais vezes do que o necessário, sem explicar o motivo para o exame ou para sua repetição.
O parágrafo acima ia ficar grande demais se eu continuasse. Há inúmeros exemplos de desrespeito à mulher e à sua individualidade na assistência ao parto, e muitas vezes a mulher sequer pode manifestar sua insatisfação nesse sentido, pois como disse, tudo o que uma grávida pode desejar é comida esdrúxula e um bebê vivo. Mas a vida no século XXI não é bem assim, certo? Grávida pode querer mais do que uma comida estranha no meio da madrugada. Grávida pode querer e deve receber uma assistência digna, respeitosa, pessoal e centrada nos seus próprios valores e desejos. Amém.
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Um comentário:
Desrespeito e, não raro, violência mesmo. Da mais sutil à mais explícita. Questões que são quase sempre "invisíveis" aos olhos de todo o nosso entorno. Enfrentar individualmente é quase impossível, mas de forma organizada e coletivamente temos força para mudar essa história!
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