Nem sempre o mais importante numa comunicação está naquilo que foi dito de fato. Muitas vezes, o não dito é ainda mais revelador. É o caso, por exemplo, do que vem acontecendo no Estado de São Paulo quanto aos dados sobre nascimentos e mortes.
A Fundação Seade é responsável por coletar, processar, analisar e divulgar as "estatísticas vitais" paulistas. Essas informações compreendem os dados sobre os nascimentos, as mortes, os casamentos e as separações. Como se pode imaginar, são de fundamental importância aos gestores públicos, para que possam planejar seus programas, e também à sociedade, para que se mantenha à par da realidade.
Pois bem. Segundo os dados da Fundação Seade, as mulheres têm mais acesso ao pré-natal em todo o Estado. A região que registra a pior assistência tem também maior proporção de mães com menor escolaridade e mais filhos. Surpreendentemente, porém, é nessa região onde ocorrem relativamente mais partos normais (equivocadamente chamados de naturais na publicação do Seade), e menor proporção de nascidos com baixo peso. Surpreendentemente? Que nada...
A Região Administrativa de Registro é das mais pobres do Estado, com problemas em diversas áreas, pouca renda, pouca escolaridade... mas é também a única região do Estado, repito, ÚNICA REGIÃO DO ESTADO MAIS RICO DA NAÇÃO onde a proporção de partos normais supera a de partos cesáreos. E, por isso mesmo, tem também a menor proporção de crianças nascidas com baixo peso. Isso quem conclui sou eu, não o Seade. Mas não é preciso pesquisar muito para descobrir essa associação, há vários estudos sérios e bem conduzidos que chegam a essa conclusão.
Outro dado alarmente por estar ausente diz respeito à mortalidade - materna e neonatal. O boletim do Seade limita-se a indicar a redução da mortalidade infantil no Estado, já sabida e conhecida e amplamente divulgada. Aborda rapidamente a mortalidade perinatal, ou seja, os nascidos mortos e aqueles que morrem com até seis dias de vida. Não destaca, desse modo, a crescente participação das mortes neonatais, especialmente as mortes neonatais precoces, na mortalidade infantil. Atenção, São Paulo, a mortalidade infantil diminuiu bastante por aqui, mas só continuará descrescendo se as mortes neonatais receberem a atenção devida. Felizmente, ano a ano, menos crianças morrem por diarreia ou desnutrição, por exemplo, o que indica melhoria das condições gerais de saúde e saneamento. Mas as mortes dos pequeninos, com menos de 28 dias, e especialmente daqueles com menos de uma semana, só serão evitadas se maior atenção for dada à assistência pré-natal, ao parto e ao puerpério. Com mais da metade dos partos ocorrendo por via cirúrgica, vai ser bem difícil reduzir essa fatia das mortes infantis.
Enfim, mas não menos importante, resta o grande enigma: onde foram parar as mortes maternas? Nada é dito a respeito. Hum... será que é por causa da estagnação dessas mortes em patamar tão elevado que o Estado passará longe de cumprir a meta número 5 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ("Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna")? Em 2008, no Estado de São Paulo, a razão de mortalidade materna equivaleu a 36,1 óbitos por 100 mil nascidos vivos, ao passo que a Organização Mundial da Saúde considera até 20 mortes por 100 mil um número aceitável, embora os países desenvolvidos registrassem, em 2005, 9 mortes maternas por 100 mil. Os gestores paulistas certamente se apressariam a apontar os dados nacionais, ainda mais vergonhosos, mas isso não os exime de responsabilidade. Mais uma vez, com o atual modelo de assistência ao parto, vai ser muito difícil reduzir as mortes maternas. Aliás, nem parece que tem tanta mulher morrendo por causas obstétricas... infelizmente elas deixaram de ser notícia, por ser informação repetida há tantos e tantos anos...
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